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Pelo Douro vai-se para o mundo. Roubei esta verdade ao
Fernando Pessoa para dizer do vale mais famoso de Portugal, onde a história se
escreveu quase sempre com vinho e a água de o levar, muitas vezes assassina.
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Foi um rio selvagem até quase hoje.
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Em Lisboa estava a Corte, que ia a Santarém e a Évora, a
Sintra, Queluz e Cascais. Bem podem os portuenses garantir que o Infante Dom
Henrique nasceu no Porto, mas a verdade é que nenhum Rei lá dormiu em casa
própria.
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A falta de visitação régia não tira brilho nem cria
esplendor à cidade do Porto, que só na lei não é das duas margens. De Portus e
Cale nasceu Portugal, Porto e Gaia. No lado direito está o brilho e no esquerdo
o lume. De montante chega a razão.
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Elogiar e glosar o labor das gentes do Porto é tão merecido
como para outros povos, entre Cevide e o Cabo de Santa Maria, de Paradela ao
Cabo da Roca, da Ponta Sul, no Ilhéu de Fora, das Selvagens, ao Ilhéu de
Monchique, nos Açores, do cimo do Pico à beira-mar da água fria, de que tanto
gosta a sardinha, que tanto dela gostam os portugueses. Da Galiza até onde
exista alguém a falar português.
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É isso, mas também certo que a fama dos vinhos do Douro não
se gerou, mas criou, consubstancial à alma-amor.
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Tanto faz que Luís XIV tenha dito que o Vinho do Porto é o
vinho dos reis e o rei dos vinhos. Também o disse do Champanhe. Também o disse
do Tokaji. Até há quem acuse outro Luís, de três flor-de-lis de ouro sobre
azul, de ter afirmado tal verdade.
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Tanto faz que a demarcação do Vale do Douro seja a mais
antiga do mundo. Também os italianos reclamam para a Toscânia. Também húngaros
e eslovacos exigem para Tokaji.
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O que não tanto-faz é o mundo, dos galegos que ajudaram a inventar
terreno lavrável, dos camponeses daquela terra, dos morgados, dos prelados, dos
ingleses, dos escoceses, dos alemães, dos… não de todo o mundo, mas metaforicamente
do mundo todo.
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O Douro vinhateiro não se fez sozinho, nem só natureza, nem
só homem. Tanta gente diz terroir, palavra com um conceito intraduzível, feita
de chuva, sol, vento, abrigo, secura, humidade, luz, ensombramento, noite, latitude,
longitude, altitude, Norte, Sul, Este, Oeste e pontos colaterais, solo,
subsolo, flora próxima da vinha, flora até onde a vide sente, fauna, casta,
sabedoria de campo e sabedoria de adega. O homem faz o vinho, não nasce numa
fonte – horas, pressas e vagares.
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Terroir aparece em todo lado, não há quem não o encontre no
seu sítio e com ele diga privar, como se Dom Sebastião se tratasse. É como Dom
Sebastião, uns o viram, alguns o vêem e verão quando sempre – e no Verão também
há neblinas marítimas.
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É Património da Humanidade, estatuto pela UNESCO e verdade,
porque os nomes do Douro têm origem, mas não sei se têm nacionalidade; são
Silva, Santos, Pereira, Olazabal, Guedes, Niepoort, Ferreira, Burmester, Pinto
e pelo Douro vai-se para o mundo.
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O meu sangue do Sul não me deixa ser outra coisa que não
português, que é ter na mesa Vinho Verde e gaspacho e passar horas sem tempo a
viver a mesa. Dizem que as melhores laranjas são as do Algarve. Garanto que são
as das laranjeiras de Castro Verde – não por dali ter tirado sangue, mas porque
são muito doces e frescas de ácido. E o azeite? Do Douro. E o vinho? Do Douro.
E a praia? De Tavira. E a poesia bruta do granito domesticado, chamado românico?
Eterno do Minho.
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O Vinho do Porto é fidalgo, por isso há só duas famílias no
Douro; a que bebe Porto e os camponeses, que dizem vinho fino. Os apelidos do
Douro: Fonseca é inglês, como MacBeth é português, assim se chamava um colega
de escola.
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Porquê tudo isto, esta explicação longa? Porque conto duma
casa. Porque não há hoje sem ontem e o destino, que a Sul dizemos fado, existe
para existir e desejar. Eu não sou eu. O meu corpo é resultado de antepassados,
parentes de carne, e a cada sete anos é outro regenerado. O meu espírito encarnou
muita gente.
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Já quase me esquecia do destino.
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Só queria só escrever que a casa dos Fonseca, no Pinhão,
voltou à firma. A companhia é familiar e britânica, talvez ainda tenha sangue
Fonseca. Tanto faz, porque do Douro vai-se para o mundo e os nossos genes
unem-se numa mãe comum – a Eva, como dizem os historiadores.
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Um dia bebemos Vinho do Porto e noutro chamamos-lhe
vinho fino. Mas as coisas são da terra como os nomes. No Pinhão, a casa voltou.
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