digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, junho 06, 2014

Sobras boas duma tragédia

Os vizinhos não despertaram
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(Como fomos vivos na noite)
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A luz matinal que quase não acorda
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Acorda e pensas:
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– Ainda estás aí?!
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Acordo e penso:
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– Ainda estou aqui?!
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Ainda os dois. Tu dormes e eu penso no que pensarias se acordasses e me visses e o que talvez te diria
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Talvez não, a luz magrinha da alvorada dá maus conselhos
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Como na ressaca da bebedeira  da loucura, há dezenas de pius de passarinhos
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As portadas da janela estão entreabertas, não sei se as abra ou se as feche.
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Nesta noite começada na madrugada adormecemos a ouvir a rádio e a dançar na cama
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Depois de
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Adormecemos esvaziando-nos de calores
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Quando as palavras estavam a mais e os beijos cansavam
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Estou exangue e ao ver-te desejo que acordes e nenhum tenha mau hálito
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Sem nada para te dizer. Em cuecas pelo soalho e pelos ladrilhos vou ver
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Não há pão na cozinha e o frigorífico está vazio
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Tenho fome. Quero não estar mas a preguiça amarra-me
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Preciso dum pretexto para que salte e feche a porta e desça as escadas como um aflito
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Lá fora frescura, sei:
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Silêncio de palavras e os passarinhos a piar
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Hesito e incomoda-me acordar-te por causa de cinco euros para o táxi
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Chega? Não sei onde estou. Devia comer qualquer coisa, aqui não há nada em casa também não
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Hesito e incomoda-me acordar-te por causa de dez euros para o táxi e pró café
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Se te acordo... se não tivermos mau hálito redeito-me e sonolentamente fazemos amor
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A luz é um estado transitório e as horas são psicológicas
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Deito-me inconformado.
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Sei que se não for acordarás com o olhar que diz:
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– Ainda estás aí?!
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Sairei magoado, desapontado comigo, com fome e sem dez euros para comer e apanhar um táxi.
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Nota: Há tanto tempo. Esqueci quase tudo.

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