Os vizinhos não despertaram
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(Como fomos vivos na noite)
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A luz matinal que quase não acorda
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Acorda e pensas:
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– Ainda estás aí?!
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Acordo e penso:
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– Ainda estou aqui?!
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Ainda os dois. Tu dormes e eu penso no que pensarias se
acordasses e me visses e o que talvez te diria
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Talvez não, a luz magrinha da alvorada dá maus conselhos
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Como na ressaca da bebedeira da loucura, há dezenas de pius de passarinhos
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As portadas da janela estão entreabertas, não sei se as abra
ou se as feche.
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Nesta noite começada na madrugada adormecemos a ouvir a
rádio e a dançar na cama
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Depois de
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Adormecemos esvaziando-nos de calores
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Quando as palavras estavam a mais e os beijos cansavam
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Estou exangue e ao ver-te desejo que acordes e nenhum tenha
mau hálito
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Sem nada para te dizer. Em cuecas pelo soalho e pelos
ladrilhos vou ver
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Não há pão na cozinha e o frigorífico está vazio
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Tenho fome. Quero não estar mas a preguiça amarra-me
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Preciso dum pretexto para que salte e feche a porta e desça
as escadas como um aflito
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Lá fora frescura, sei:
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Silêncio de palavras e os passarinhos a piar
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Hesito e incomoda-me acordar-te por causa de cinco euros
para o táxi
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Chega? Não sei onde estou. Devia comer qualquer coisa, aqui
não há nada em casa também não
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Hesito e incomoda-me acordar-te por causa de dez euros para
o táxi e pró café
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Se te acordo... se não tivermos mau hálito redeito-me e
sonolentamente fazemos amor
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A luz é um estado transitório e as horas são psicológicas
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Deito-me inconformado.
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Sei que se não for acordarás com o olhar que diz:
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– Ainda estás aí?!
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Sairei magoado, desapontado comigo, com fome e sem dez euros
para comer e apanhar um táxi.
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Nota: Há tanto tempo. Esqueci quase tudo.
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