digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, junho 24, 2014

A crónica da Sardinha – Tratado sobre os serviços de inteligência portugueses desde a sua génese medieval até ao presente e prospectiva

Todos os países têm uma história secreta, que não aparece nos manuais escolares e cuja documentação histórica é raríssima. Conhecem-se factos e os momentos, mas o que é sigiloso escondido fica.
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Para começar tem de se ir por algum lado, e vou ao princípio do Reino de Portugal, quando ainda não era do Algarve e muito menos dos Algarves. Reporto-me ao século XII. Na Idade Média a família, ou a «bondade» do seu sangue – os homens bons, os de bom sangue – algumas começaram a traçar um caminho, uns duraram curtas gerações e outros séculos de serviço.
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É tão cedo o texto e já começo com parêntesis... os ilustres Pacheco ocuparam o cargo de mordomo-mor do Reino durante umas gerações. Não fosse o episódio de Dom Pedro, que viria a ser o primeiro Rei a usar o nome, e de Dona Inês de Castro sabe-se lá onde chegariam. Isto porque Diogo Lopes de Pacheco foi incriminado na matança da nobre senhora. Mais tarde veio a conhecer-se a verdade. O «bom» Diogo tinha estado no sítio errado à hora errada. Conseguiu escapar, revelou-se o erro, mas a verdade é que nunca mais um Pacheco voltou ao píncaro da nobreza portuguesa.
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E giro, giro é ser eu Pacheco e ser brincado na escola como o «peixe-seco», logo eu, um gorducho. Tudo passaria despercebido não fosse o caso de não comer peixe... vómito! Até a ver bancas de peixe na televisão fico a respirar pela boca.
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Para mim, os piores cheiros do mundo estão ligados ao peixe. O horrível perfume do lixo, mesmo contendo pescado, é melhor do que vivíssimos animais a saltitar na pedra das bancas dos mercados... sempre está disfarçado.
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Não se riam, porque é sério. Tão sério quanto não ser o primeiro na família. É estranho? Então pensem na quantidade de gente que não suporta o cheiro do queijo e que jamais porá um nico na boca, sob pena de deitar para fora o que tem dentro. É a mesma coisa.
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Bem, explicado que está esta coisa do peixe vem a informação sobre uma família da mais fina nobreza portuguesa. A Sardinha. Aliás, a outra Sardinha – uma que desde o século XII desempenhou funções nos serviços secretos ou de inteligência ou de informações. Para distinguir uma família da outra, Dom Afonso Henriques tratou de as separar heraldicamente.
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Os Sardinha conhecidos têm um brasão constante na totalidade dos armoriais e os outros vivem desde há tantos anos discretos que poucas são as referências à sua marca heráldica. Descansem que já vos mostro.
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Bem, a actuação destes Sardinhas é quase invisível mas, do pouco que se sabe, foi nobre dessa insigne árvore quem levou à mesa real, pela primeira vez, uma sardinha.
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Decorria o século XIII e reinava Dom Afonso II, cognominado de «O Gordo». A alcunha revela que era amigo do garfo, se já existisse tal instrumento auxiliar da alimentação. Passando pela ribeira de Lisboa, durante o mês de Junho, El Rei Dom Afonso II notou um agradável odor de comida, concretamente de peixe grelhado. Indagou o seu fiel espião, que o elucidou acerca do dito: sardinha. Sardinha assada. Quis então o monarca conhecer o peixe no prato. Alguém desastrado e vendo o apetite real disse:
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– Fique Vossa Majestade sabendo que pouco custa, tão pouco que é alimento dos mais pobres.
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Desconsolado, El Rei jurou para nunca mais tocar em sardinha. Para que o episódio não se conhecesse, mandou ao seu agente Sardinha que o fizesse desaparecer... ou melhor, que não o fizesse aparecer em documento algum.
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Porém, o episódio perdurou no boca-a-boca dos fidalgos e de mais gente do paço. Soube-o o Rei Dom Carlos, homem de boa vida, seja de vinho seja de amor sem compromisso com damas do palácio (e talvez outras), de sensibilidade e qualidade artística, e de conhecimento e ciência oceanográfica, sendo descobridor de várias espécies marinhas.
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Soube-o pois El Rei pela boca do seu Sardinha. Porém, o anafado e guloso monarca, decidiu revelar o episódio do seu antepassado. Já se sabe como é: cada pessoa acrescenta algo à estória, também à história, e acabou por ser Dom Carlos o depressiador do peixinho – como se sabe, na Monarquia Constitucional vivia-se com ar bem mais democrático do que viria a sentir-se na Primeira República e na Segunda República e quiçá até nesta Terceira República. Vá de gozarem com o Rei e as suas sardinhas  – incluindo os espirituosos irmãos Bordallo Pinheiro.
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Brincar com as sardinhas do Rei, mas não com o seu fiel conselheiro e agente de informações, o Sardinha, claro – é que nem sonhavam a existência de tal pessoa e função.
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Como se sabe, em todas as culturas, os homens de confiança dos chefes são agraciados com recompensas. Na Europa, entre as várias honrarias, são atribuídos títulos de nobreza. Há variantes, há países com maior quantidade de postos de hierarquia de sangue; em Portugal, e por ordem crescente são barão, visconde, conde, marquês e duque. É claro que um fiel Sardinha foi também agraciado com uma coroa, a de conde. Dom Luís Inácio Francisco João Paulo Pedro Miguel Gabriel Rafael Manuel Carlos Afonso Salvador de Todos os Bens do Morgado de Sardinha foi o primeiro a usar a coroa de ouro de dezasseis braços encimados com pérolas. Sob o coronel o elmo vestido de vermelho, com virol e paquife de azul e branco. O escudo é de azul com uma sardinha de prata apontada à dextra. Como se vê, estas armas nada têm de parecido com as dos outros fidalgos com o mesmo apelido... ide procurar, que não me apetece.
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Foi criador do título o Rei Dom José, por sugestão do conde de Oeiras, mais tarde marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo – os Carvalhos eram mais parcimoniosos na atribuição de antropónimos.
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Puxemos pela cabeça e não será exagero imaginar que Dom Luís de Sardinha agiu secretamente para encontrar os culpados da tentativa de regicídio. Quis Dom José que fosse Conde de Peniche. Porém, o Sardinha sofria do mesmo problema que eu e não suportava o cheirete do pescado e só de pensar em erguer casa naquela vila piscatória tinha ataques contidos de raiva – os agentes secretos não exteriorizam.
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No entanto, Dom Luís de Sardinha apreciava os ares do mar e adquiriu terras ali para Sesimbra. Recaiu então o topónimo Espichel sobre a coroa condal. Já agora fica a nota que Dom João VI fez conde de Peniche Dom Caetano José de Noronha e Albuquerque.
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Mais do que desconhecido dos portugueses, o conde de Espichel figura em muitas casas nobres, nomeadamente em azulejaria. Normalmente são cavalheiros de peruca alta, à moda do século XVIII, que normalmente ladeiam portas. Chamam-lhes figuras de convite, mas a verdade é que serviam de aviso, a todos os que frequentavam a casa, que uma nobre figura os podia estar a espiar e, por isso, ser necessária cautela – ainda que desconhecessem ou desconfiassem que fosse o conde de Espichel.
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Mas bem mais une o Cabo Espichel e Peniche, cuja península termina com o Cabo Carvoeiro. Dizem peixívoros que as sardinhas mudam com a latitude. Porém, não é verdade, determina a ciência.
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As Sardina pilchardus, a europeia, natural do Mediterrâneo – donde tomou o nome à ilha de Sardenha, tal era a abundância nas suas costas – e do Atlântico. É esta a subespécie mais conhecida e mais comum.
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A temperatura da água determina o teor de gordura dos animais, pelo que os apetites dos homens, tal como dos animais, tende a preferir os alimentos mais gordos – além dos doces. São os mais fáceis ou primários.
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Ora dizem alguns entendidos que a sardinha da água a Norte do Cabo Carvoeiro é mais gostosa em relação às que nadam uns paralelos abaixo. Outros põem a fronteira no Cabo Espichel. A mim tanto se me dá como se me deu, pois não tenciono tragar nem uma nem outra, nem qualquer outra subespécie – há bué delas.
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Mais uma nota pessoal. Quase toda a gente que conheço desculpa o cheirete da sardinha pelo prazer que dá. Porém, eu – que tenho náuseas com o fedor dos bichos em cru, estragados ou sujeitos a qualquer confecção – não me perturba o ar das assadas na brasa e mesmo em cru quase não me aborrece especialmente (a pescada é kryptonita para o super-homem). Mistérios! Mistérios que um bom médico Sardinha poderá desvendar se tiver o dom de detective.
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Tal como acontece na sociedade humana, em que há cada vez mais doutores do que senhores, as sardinhas, outrora abundantes, conhecem preços menos plebeus, e nas loucuras das festividades populares de Santo António de Lisboa, São João e São Pedro chegam aos dois euros. Até a mim me dói e nem as como.
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Os portugueses são dados a exageros. Ora temos o melhor do mundo como o pior. Assim acontece com a gastronomia. Podemos não ter a sofisticação doutras cozinhas, mas não é por isso que não temos coisas boas. E é engraçado como um rectângulo comprido, que não deve ter mil quilómetros de cima até ao fundo e quatrocentos da água à fronteira, é tão variado na sua mesa. Esqueçam a dieta mediterrânica, pois que existe por cá, mas somem-lhe a atlântica e a continental.
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Como em tudo, não se consegue qualidade se a matéria base não for boa. Agora não é o oito e o oitenta dos portugueses, essa prova da característica bipolar do povo tuga, é mesmo um facto... as águas nacionais são povoadas pelos melhores peixes. Não é decreto, é sentença dos melhores restaurantes europeus, da costa Leste dos Estados Unidos da América e do exigentíssimo Japão, que vêm comprar peixe. Algum nem chega a ser descarregado no cais ou antes de ser apanhado já está vendido.
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Japoneses a comprar peixe português é mais do que um elogio, é medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Com todo os seus (entediantes, exagerados irritantes) rituais, vénias, protocolos e códigos – além do doentio apetite voraz que destrói a fauna aquática em todos os mares – os japoneses são os maiores consumidores mundiais de peixe, seguidos dos islandeses e dos portugueses – dependente de quem faz os estudos, há quem diga que os segundos somos nós e até quem garanta que estamos no primeiro lugar. Tirem-me da estatística! Por favor...
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Contam entendidos que os portugueses sabem tanto de peixe que o cozinham de forma minimal e não lhe mascaram as qualidades ou características.

Disseram-me peritos que escalar o peixe – uma moda recente – é um atentado gastronómico, pois o animal perde os seus sucos, torna-se mais seco e menos paladoso. A ser assim, é a preguiça a vencer a gula. Mas cada um sabe de si e se somos livres de não comer peixe somos também livres de o comer como quisermos – o uso da primeira pessoa do plural é só no texto... não se iludam, ok?! É retórica.
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Aíiiiii! Que me ia esquecendo!... Há mais uma coisa a dizer sobre os nobres Sardinha... tal como os homónimos peixes, são de águas fundas e escuras... o bom espião move-se no escuro e na penumbra para resgatar luz.
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Como se come a sardinha? De diversas formas, mas a mais apreciada é a assada na brasa. Só com sal e muita atenção ao estalar da pele e sua cor. Acompanha-se com batata cozida, pimentos e pimentões grelhados e salada de alface, tomate, pepino, cebola, orégãos, azeite e vinagre de vinho (branco?!). De fora está, sem contemplação, a bastardia da cenoura ralada. Quem inventou o acrescento devia ser...
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Atenção que agora é a doer. Protejam as cabeças que vão voar pedregulhos. Há dois lados em contenda: peritos que defendem que se beba vinho branco, à moda francesa, e outros especialistas e mais os amadores que afirmam que é com tinto.
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Alexandre Dumas (pai) era entendido nas coisas da gastronomia, prosador qualificado e que sentenciou que aos produtos dum determinado local se devem servir vinhos do mesmo sítio. É lei, mas as leis também se fazem para se corrompidas, mudadas, abastardadas... o que se entender e viva a liberdade! Se há lei, sou contra!
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A mim faz-me sentido o que escreveu Alexandre Dumas – que se enquadra tão bem nos movimentos do quilómetro zero, da autenticidade gastronómica dos lugares, dos produtos de época e da mastigação lenta (celou fude – slow food) – pelo que sardinha é com vinho tinto, tal como o polvo e o bacalhau. Não, com certeza, néctares de catorze graus, aborrecidos nos dias quentes. Acerca disto há tanto para dizer... olhem, a Real Companhia Velha – a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, aquela criada pelo primeiro marquês de Pombal para delimitar uma das primeiras regiões demarcadas, tal como Tokay e Chianti – lançou um vinho da casta rufete, um tinto leve e pouco corado que liga na perfeição com as sardinhas, e há tantas castas para descobrir... Liga na perfeição... digo porque acredito em quem mo diz.
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Portugal está na moda e a gastronomia, que obrigatoriamente engloba o vinho, virá a estar. A portugalidade moderna seduz a classe média com ideias estéticas contemporâneas... blá, blá, blá... os saquinhos bordados, as andorinhas em faiança, os sabonetes Ach. Brito, a pasta medicinal Couto... blá, blá, blá...
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Ora, a tradicional e, felizmente recuperada nas intenções e produções, a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha lançou um desafio aos artistas: a criação duma sardinha. Os desenhos propostos a concurso tornam-se obras tridimensionais em faiança. Para quem não saiba, esta fábrica foi estabelecida em 1884 pelo ceramista Rafael Bordallo Pinheiro, homem de múltiplas faces e que partilhou a ribalta com o seu irmão Columbano, artista do pincel. Os outros nove irmãos não foram tão célebres.
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A minha querida amiga Isabel Colher, cujo trabalho e vivência artística e artesanal podem apreciar no blogue http://tardoz.wordpress.com/, concorreu com um figurão da nobreza lisboeta do século XVIII.
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Já perceberam quem... o primeiro conde de Espichel, que teve um nome tão grande que nunca ninguém conseguiu fixar na íntegra e ordem certa. Diz a amiga artista na sua definição constante na candidatura:
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– Figurão da nobreza lisboeta do século XVIII, tem gostos requintados e tiques de linguagem como Oh lá lá! ou Et, voilá!, que está sempre a aplicar. Organiza o Salon Musical et Littéraire, recebendo os convidados recostado num leito, ao estilo do século anterior, na Chambre Bleu do seu palacete em Belém.
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No dia Primeiro de Novembro de 1755 – estava um tempo abafado de trovoada, fenómeno que o folclore de Lisboa fixou como prenúncio de sismo – a família real encontrava-se, precisamente, em Belém, concretamente no palácio do conde de Espichel.
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Calcula-se que o abalo, com epicentro a Sudoeste do Cabo de São Vicente, tenha atingido o patamar nove da escala aberta de Richter e entre dez e onze da escala de Mercali. Como se não bastasse, seguiu-se um maremoto, que, de acordo com testemunhos coevos, alcançou os trinta metros de altura e percorreu as ruas da capital com uma voragem celerada e velocidade sobrenatural. Consta que não chegou a subir ao monte de Campo de Ourique, daí aplicar-se a expressão «resvés Campo de Ourique» a algo que por um triz não alcança um determinado ponto previsível.
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Atenção, escrevi maremoto e não essa irritante palavra japonesa tsunami, que podia ser gira se usada com parcimónia. Além da terra e da água veio o fogo. Calcula-se que tenham morrido noventa mil dos duzentos e setenta e cinco mil habitantes de Lisboa.
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O abalo sentiu-se por todo o Sul português, no Norte de África, na Andaluzia (o maremoto subiu o Guadalquivir até Sevilha) destruindo casas, palácios, conventos, igrejas e fortificações. Sentiu-se também na inteligência, estudo e cultura. Vivia-se o Iluminismo e deu-se nascimento à sismologia. François Marie Arouet, conhecido por Voltaire, foi dos que mais se impressionaram com a catástrofe que apagou uma das mais importantes e ricas capitais da Europa.
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Então, o Rei Dom José mandou edificar no alto da Ajuda uma barraca para aquartelar a família e parte da corte, pois o Paço da Ribeira – cujo largo é ainda hoje conhecido por Terreiro do Paço (Praça do Comércio) e o novíssimo e riquíssimo teatro da ópera, inaugurado apenas seis meses antes do sismo – ficou inabitável e pouco aconselhável.
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O Paço de Madeira ou a Real Barraca – não sei se por jocosidade – ficou durante muitos anos. O futuro Dom João VI embora não tivesse vivido o terrível dia, pois nasceu em 1767, apanhou tanto medo com os relatos que nunca quis casa em Lisboa que fosse em alvenaria.
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Bem, ainda príncipe regente, Dom João lá se convenceu a mandar erguer novo palácio, na elevação da Ajuda. A primeira pedra foi colocada em 1795. Todavia, o que hoje resta, do construído e do sobrevivido ao incêndio de 1974, é menos do que um quarto do previsto. A culpa é do Brasil e de França... mas mais do Brasil.
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É que vieram os chatos dos franceses, a mando de Napoleão, por Portugal se manter fiel ao seu aliado (desde 1383 – a mais longa aliança do mundo) e não aderir ao bloqueio marítimo. Foi em 1807, a primeira invasão, comandada pelo general Jean-Andoche Junot, e Dom João e a corte pisgaram-se para o outro lado do Atlântico. Todavia, por cá ficou o conde de Espichel a espiar a favor dos aliados. A segunda invasão ocorreu em 1809, liderada pelo general Nicolas Jean de Dieu Soult, e a terceira e última em 1810, tendo à cabeça o general André Masséna.
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O príncipe Dom João fez da cidade do Rio de Janeiro a capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves – Portugal deve ser o único país colonizador que teve a capital numa colónia... e um palácio real que era uma barraca.
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Dom João VI manteve a governação absolutista no Rio de Janeiro, mas deu aberturas à economia e nasceu burguesia. Entretanto, os franceses deixaram sementes liberais e Dom João VI regressa à metrópole em 1820, devido à Revolução Liberal, no Porto. Do outro lado do Atlântico, Dom Pedro, que ficara com a regência, declara a independência do Brasil, em 1822 – já eram muitas as pressões da população. Em 1825, Dom João VI proclama-se primeiro imperador do Brasil. Por pouco tempo usou a coroa imperial, pois faleceu no ano seguinte – só cerca de seis meses.
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Dom Pedro assume as duas coroas, como Pedro IV de Portugal e Pedro I do Brasil, perfilhando do ideário constitucional. Porém, abdica de Portugal a favor da filha, Dona Maria II, nascida no Brasil em 1819 e coroada em 1826. Mas o mano do imperador, Dom Miguel não gostava do liberalismo e proclamou-se Rei de Portugal em 1828.
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Para defender os direitos da filha, Dom Pedro IV abdica do Império do Brasil a favor do seu filho de cinco anos, Dom Pedro II. O usurpador absolutista, que reinaria até 1834, obrigou a Dom Pedro IV a voltar à Europa e a travar uma guerra civil, que viria a vencer. Dom Miguel exilou-se em Itália, Grã-Bretanha e Alemanha. Em 1834, Dona Maria II voltou a usar a coroa.
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Penso que Dom Pedro IV não gostava do peso da coroa pois, em 1826, na conturbada Espanha pós-napoleónica ofereceram-lhe o Reino. Mais tarde propuseram-lhe que se tornasse Imperador da Ibéria. Em 1821 os gregos livraram-se dos turcos otomanos e após alguns governos quiseram constituir um Reino. De quem se lembraram os gregos, em 1832, para se sentar no trono? Exacto! Não quis e o ceptro passou, em 1833, para Otão, segundo filho varão de Luís I da Baviera. Os gregos fartaram-se do Wittelsbach e em 1863 um novo monarca assumiu o país; Jorge I, filho segundo dos Reis da Dinamarca, da dinastia Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glücksburg.
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Como se depreende pela passagem dos anos, com invasões francesas, fuga para o Brasil, luta pela independência brasileira e guerra civil, o Paço da Ajuda nunca se concluiu. Primeiro porque da colónia americana já não chegavam naus carregadas de ouro e gemas e, depois, o alemão Rei Consorte, Dom Fernando II, mostrava-se mais interessado nos castelos de Luís II da Baviera, seu primo louco, em estilo romântico, que é muito eclético e variado... o Paço da Ajuda era dum aborrecido e ultrapassado género neo-clássico.
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Com a partida da família real para o Brasil, os condes de Espichel não deixaram nem a companhia real nem a penumbra. Normalizada a vida, uma grande amizade uniu Dom Carlos e o seu agente. Apesar de muito e bem avisado, não apenas pelo conde de Espichel, o monarca quis seguir em carro aberto e por percurso que se previa sobressaltado e na esquina do Terreiro do Paço dispararam contra o Rei e príncipe regente. A Rainha Dona Amélia defendeu o que pode, revelando coragem física e força mental, provando ser digna do estado de Rainha e do dever de mãe.
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A partir daí nada se sabe acerca de novos titulares do condado de Espichel. Porém, recentemente, surgiu uma obra de arte que dá a entender que a linhagem continuou e se mantém atrás das cortinas.
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Mostrou-se de forma subliminar, com inteligência e humor – só para os que sabem e têm cultura. Nem Maçonaria nem Opus Dei nem comunidade homossexual têm pulmões para alcançar as funduras dos Sardinhas de Espichel. Revelam-se a alguns e não chegam a dizer xiu.
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Não é por acaso que, dum momento para o outro, uma família desconhecida e com tão grande presença na governança da causa pública surge numa evocação artística... seria tranquilizador saber que um novo Sardinha conde de Espichel estivesse a mexer-se em Bruxelas.
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Nota 1: Vem este texto a propósito da obra que a minha amiga Isabel Colher apresentou no concurso de sardinhas da Fábrica Bordallo Pinheiro.
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Nota 2: Todas as decisões são discutíveis, mas os júris são soberanos. Para mim a sardinha encerra portugalidade e essa característica é sublimada pelo efeito azulejar do peixe da Isabel Colher. Para mim, deixando de parte a grande amizade, garanto, é a melhor sardinha do cardume ou eventualmente a segunda, pois a sardinha pessoana de Maria Miguel também traduz bem a cultura nacional.
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Nota 3: As sardinhas concorrentes podem ser vistas no site da empresa Faianças Artísticas Bordallo Pinheiros.
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Nota 4: Não sei se não deva pedir uma aclaração ao Tribunal Constitucional.

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