digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

segunda-feira, janeiro 17, 2011

A musa ressuscitada





















Vejo-te, flor. Sinto-te menina e sei-te mulher. Vejo-te imaginando, nua num canapé com uma cidade por trás. As janelas são para se abrirem. Pela tua entra a música das ruas e a luz que o céu permite. Por ela saem os meus olhos, envergonhados por, tão descaradamente, gozarem a tua beleza.
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Vivo-te doentiamente. Invisível a teus olhos. Invisível também para me dissimular no teu quarto para me deliciar quando te despes. Sofro por te ver amada e amante. Vejo-te tão ignorante de mim.
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Não fosse invisível veria as minhas mãos nos teus quadris. Nos teus seios e no teu rosto. Afastando os cabelos suados enquanto mordisco e mordiscas alternadamente com o soar das almas a sair das bocas.
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Em que cidade vives? Nunca saio. Talvez por isso não me leves a sério. Nem me vejas. Ou, pior, não me leves a sério.
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Sou tonto. Acredito no acreditável, menos crível que os zombies baterem à porta doutro defunto. Defunto, sou eu, que escondi o coração em Edimburgo. Eu, que nem vivo, nem sou credível. Tão tonto como inacreditável.
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Se é Lisboa, a janela abre-se às ruas populares. Qualquer outra é desilusão e sofrimento. O meu coração abandonado sente, lá longe em Edimburgo, uma saudade do que não deve, não pode, porque não sabe.
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Sim, flor-menina-mulher… sei-te triste comigo e não por ser invisível ou apaixonado, ainda que inacreditável. Noto-te na voz o cansaço da minha tristeza e pelo ridículo de todos os disparates que digo e escrevo.
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Ainda assim vivo escondido no espelho do teu espelho, donde te vejo desnuda e amante doutro amante. Ciúmes? Não. Tristeza por não me veres. Por não me mostrar e apenas soar.
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Coragem só na voz. No corpo a morte, vagarosa, como poeta, um desespero incontável e ignorância.
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As musas não matam os poetas. Os poetas é que morrem tristes frente às musas.
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Escondido num espelho desconheces-me sabendo-me. Dentro do espelho escondido vejo o reflexo da luz do esconderijo, plano insensível, impronunciável e morto diante da tua beleza e nudez.
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No escuro sei-te. Amante e amada. Desfaleço sem ciúme, mas desesperançado. Os poetas não matam as musas. Deixam-nas cair, quebrando-se. A minha partiu-se e, estupidamente, tento cola-la. Do lado dela a mesma insensibilidade. A mesma falta de crença. Que nunca perca o sorriso que me ata. Que nunca perca de vista a flor-menina-mulher.

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