digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Vinho enamorado





















Cansei-me de ser pobre. Já tinha escrito que ser playboy e pobre era coisa que não liga bem. Uma sina obrada pelo Demo. Pois bem, já que não tenho um Aston Martin, preferencialmente clássico, tenho pelo menos parte dum. O preto fica bem neste elegante inglês e fica também no meu carro, um francês modesto. É isso, o meu carro tem a cor dos mais belos desportivos de Gaydon, no Warwickshire.
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Desde que assumi a minha nova condição de rico farto-me de viajar. Outro dia meti-me no Aston Martin e fui ao Porto. Já não lá ia desde… desde… não sei, talvez há menos de meio ano, o que é tempo suficiente para se ter saudades.
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Confesso que a Torre dos Clérigos não me diz nada e até me desgosta. Não vou ao Porto para a ver nem me embasbaca. Delicio-me na avenida dos Aliados, na Ribeira, cada vez mais charmosa, tanto na margem direita quanto na esquerda, no Solar do Vinho do Porto e na sua vista sobre o Douro, nos jardins e salas de exposições de Serralves, e nos trajectos do Parque da Cidade. Há muito mais, mas não vale a pena tornar a crónica num guia de viagens ou na lista telefónica. Ah! E há, obviamente, o Bull & Bear, que é tão bom que quase sempre tenho azar e quando vou para marcar mesa já a sala está reservada.
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Há uns anos, para aí uns vinte, era complicado ser peão no Porto. Os portuenses andavam a abrir. Agora estão bem mais suaves. O porquê não sei. Não importa. Atravessar, atravessar, é a cidade. Pela orla ribeirinha, do centro até à Foz.
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Na outra banda ficam as caves do Vinho do Porto. Umas são mais bonitas do que outras. Costumo sentar-me na esplanada fronteira à casa Ramos Pinto. Uma alegria de mirada. Dessa de vinhos, de fachada vistosa, nasceu há pouco um tinto fácil, guloso e elegante. Chamaram-lhe Collection e vem do Douro… Pausa para respirar, pensar e recordar.
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Tão bom quanto o néctar é o embrulho: garrafa negra com os dois enamorados quase beijando-se, com a bênção do Cupido, desenhados por René Vincent, a imagem mais forte da casa. Nova pausa para respirar… foi uma bela surpresa e descoberta.
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O africanista
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O meu tio-avô Ernesto fez carreira na Marinha até que se fartou. Preferiu as terras de Angola e Moçambique às donde nasceu, na chamada metrópole. Quando vinha a Lisboa havia longos serões de conversa e saudades.
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O meu tio-avô Ernesto vestia, muitas vezes, um fato de linho, que alinhava com um chapéu claro e arejado. Isto no Verão, porque no Inverno não havia quem o apanhasse por cá. Saído da Armada, tornou-se caçador de animais de grande porte. No apartamento que mantinha em Lisboa, de grandes e muitos quartos, sobravam lembranças e troféus de caça grossa.
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O meu tio-avô Ernesto tomava uma beberagem que eu era demasiado novo para o provar. Um vinho licoroso com quinino.
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Em África, ou nos trópicos em geral, o quinino era tomado para precaver da malária. Sinceramente, não sei se a coisa resultava. Por isso, julgo que o gin tónico deve ter sido inventado para os repousos nas terras próximas do equador. O que tenho a certeza é da criação do vinho quinado para fins terapêuticos.
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O vinho quinado é quase um xarope, feito de Vinho do Porto e quinino. Actualmente só se faz o Ramos Pinto Quinado. Só outro dia o traguei. A revelação não é brilhante, mas vale pelo engraçado da experiência.
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Dois de trunfo
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O rei dos vinhos é português e chama-se Vinho do Porto. Não me venham com a conversa dos Champanhes, porque esses são festivos e alegres, mas o nosso tem um porte de majestade e soberba. Na verdade o francês é a rainha.
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Aliás, tanto o Vinho do Porto como o Champanhe são famílias. Agora apenas interessa o português. Há dois ramos, os tawny e os ruby. Os primeiros estagiam em barricas e os outros evoluem em garrafa.
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Em cada um destes ramos há variações, ou indivíduos. Dos reais Vintage ao simples ruby ou tawny sem indicação de idade. As linhas mais baixas são essas, mas o Vinho do Porto alegra mais, e a preços muito simpáticos, com os special reserve, cujos lotes que os compõem, sempre de vários anos, resultam de colheitas com mais idade.
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O Porto Solene faz-se de dois primos, um tawny e outro ruby, onde a média de idade dos vinhos dos seus lotes se situa entre os cinco e os nove anos. Impressiona já a diferença, mas regala também o olhar: garrafas elegantes, desenhadas de propósito para marca.
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Eu, que sou conservador e moderno, além de playboy, fiquei impressionado… tanto com o conteúdo como com o recipiente. Pode ter-se estilo e dar-se à festa mesmo sem Champanhe ou um vintage. À saúde!

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