digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Um chá e um Bairrada tinto





















A realidade prega muitas vezes partidas e eu, que sou despreocupado e talvez desbocado, assumo as que ela me prega. Pois que fique para a posteridade a patifaria que hoje sofri. Vinha a magicar a crónica e fez-se-me luz na cabecita ao escutar a Antena 2: música marroquina!
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O deserto evoca o chá e o calor. O vinho é bebida doutras elegâncias. A música é universal. Pois que tem a ver a música do Magrebe com o vinho? Nada! Pois que nada! Pois que talvez até tenha. Tem que lhe encontrei sofisticação e subtilezas, voltas e quebrantos que se podem encontrar também no vinho. Um vinho todo igual de sabor é chato e monótono. Dir-se-á que isso é válido para toda a música. Pois é. Afirmar-se-á que é válido para toda a criação humana. Pois sim. Mas ali, naqueles encantamentos das melodias do deserto, foi notório. Fez-se luz na minha cabecita.
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Por que chamo cabecita, assim depreciativamente, à minha cabeça? Porque, quando veio ao microfone a locutora, a já referida música de Marrocos era, afinal, da Ucrânia. Explicada a partida da realidade, vou deixar de pregar música, não vá sair-me um ré em vez dum fá e ficarem os leitores sem dó de mim.
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Quis vir ilustrar a crónica com a música de Marrocos por esta ser diferente da nossa e, contudo, haver nela toques de afinidade. Afinidade que é dada pela proximidade. Afinal isso é válido para a música da Ucrânia. Isto para ilustrar um vinho que anda injustamente esquecido: o da Bairrada.
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Não querendo tornar o texto numa bizarria nem o motivo da crónica num produto marciano, quero dizer que os vinhos da Bairrada são mesmo diferentes daqueles do actual padrão do gosto, da moda. Por outro lado, tradicionalmente são vinhos que exigem espera, uma guarda de alguns anos, quando a prática corrente é de imediatismo. Talvez por essas razões andem afastados da ribalta. No entanto, nos barros da região centro fazem-se delícias... De tinto fica a sugestão do Quinta das Bágeiras Garrafeira Tinto 2003.
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Um branco dos barros
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Está aí outra Primavera. Começa o tempo das alergias. Não tenho paciência para as alergias! A minha impaciência para as alergias é de tal forma grande que decidi não ter nenhuma. Por agora, que estou de férias, faço o que não me deixam fazer quando me obrigam a trabalhar: refasto-me num cadeirão e preguiço.
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Preguiçar é bom e dá que pensar em coisas boas. Nesta fase do ano entrei no mês bairradino da gestação. Penso, penso e penso e quase só me saem ideias de vinho da Bairrada. Está visto que tenho de lá ir.
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Os dias já se ameaçam quentes, mas não o suficiente para beber um vinho branco no terraço. Contudo, já faço planos para o Verão. À noite janto uma carne mais leve, não necessariamente branca, e acompanho-a com um vinho branco bem estruturado: Quinta das Bágeiras Garrafeira Branco 2004. É equilibrado e sem exuberâncias.
É um branco da Bairrada, nascido no chão de barro. Faz-se com as castas maria gomes e bical. A Quinta tem um nome bizarro: Bágeiras. O que será uma bágeira? Deve ser uma vide, já que a casa faz vinho...
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O valente frade
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Acho que já escrevi por aqui que tenho umas costelas e umas pernas alentejanas. Se não escrevi, escrevo agora. As pernas são mesmo alentejanas, como as das anedotas: gostam de se repousar. Não há canseira que não me calhe nem sesta abstencionista. Infelizmente não tenho uma vida de vagares. Calhando, um dia destes ainda me mudo... se as saudades de Lisboa me deixarem.
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Adiante! Há uns tempos que não ponhos os pés com tranquilidade no Alentejo. Lá ir até vou, mas com uma rapidez de relâmpago. Fico com saudades ainda assim, porque sobeja a vontade e escasseia o tempo. Só não tenho mais saudades do Alentejo, porque a província insiste em vir até mim.
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Noutro dia chegou-me na forma dum vinho tinto – Torre do Frade Reserva 2004, de se seu nome completo – a festa do reencontro. Ah! Estava lá bem dentro, o Alentejo, naquelas ameixas, na fruta madura, na comptota, nas especiarias. Forte e elegante, teimoso na boca. Valente! Como se diz por lá!
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Por falar em valentias, tenho de lhe chegar mais vezes, bquem sabe se com um ensopadito de borrego ou com umas migas no pingo, que pinga destas bate-se e exige herói por companhia.

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