digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Magnífica poeira

Ninguém sabe ao certo o que quer dizer a palavra Douro. O dicionário refere que o vocábulo é latino, mas que a origem é céltica. Diz o povo que a fonia está mesmo a pedi-las: ouro. O rio evoca o metal mais nobre. É uma certeza! Há terra mais nobre e rio mais digno do que aquele? Interrogam-se os ferverosos naturais da região duriense e quem mais vem de terras banhadas por aquele rio.
.
Bairrismos e regionalismos à parte, há coincidências gostosas que evocam o ouro e, por isso, se podem ligar ao rio. A excelência dos vinhos da região não choca se comparada ao ouro, já para não falar no Vinho do Porto. Assim, é de ouro, sim senhor, o rio e nas suas margens garimpa-se por analogia. Um do ouro duriense vem do pequeno lugar de Terra Feita perto do Pinhão e vem sob a forma de Poeira. Já há uns anos que encanta e maravilha os sentidos dos enófilos. Vinhos para beber e para esperar.
.
Numa cidade distante do Douro e banhada por um rio mais largo e mais comprido, dois amigos jantaram. Um com dissabores na vida e a outro competindo o papel de ouvidor e conselheiro. A vida não é fácil, o coração trai e a cabeça não colabora.
.
Tinham-se passado os couvert e as entradas e o ouvinte entendeu que a conversa necessitava de um suporte maior. Foi o vinho que estava já na mesa para trás, que por pudor fica por revelar, e mandou-se vir um Poeira de 2003. Um tinto bem carregado no esmalte e com taninos muito finos, todo ele sedução e envolvência.
.
O vinho, é claro, não resolveu os problemas a ninguém, mas deu outro suporte à conversa e um outro ânimo aos dias. Foi um bálsamo, uma bebida mágica que modificou os espíritos e deu novas perspectivas. Uma janela aberta para o optimismo. Se o céu está nublado, não é por isso que deixa de cair poeira das estrelas sobre a Terra..
.
Nos dias seguintes, quando se telefonaram, aqueles dois amigos disseram uma senha privada: magnífica Poeira!... Aquele vinho agora une-os em confidências e fortalece-lhe a amizade.
.
.
.

Crescendo, bebo tinto
.
Foi há coisa de uma semana que uma andorinha me fez um voo tangente. Senti-lhe a deslocação das asas, o ar a mexer, junto à cabeça. Gostava de ver isso ser possível com uma das minhas gatas. Esta coisa de ser humano torna-nos muito vulneráveis. Ainda há uns tempos lamentava-me por as andorinhas andarem desaparecidas de Lisboa e agora passa-me uma a fazer fosquices...
.
O ataque da andorinha deprimiu-me, confesso. Fiquei a matutar naquilo uns três quatros de hora. O tempo que levei de caminhada entre o ponto em que estava e aquele para onde desejava ir. Quando cheguei a casa, lugar de todos os refúguios, exclamei:
- Bolas! Sou um sapiens sapiens e herdeiro da cultura latina.
.
Para festejar fui experimentar o novíssimo regional alentejano Altas Quintas Crescendo Tinto 2005. Boa fruta, com ameixas e amoras e notarem-se no conjunto, e toques de madeira.
.
A andorinha e as minhas gatas que se entretenham, nunca irão entender o que é um belo vinho. E muito menos o conceito de agricultura inteligente que tinham os latinos, em que a sua alimentação derivava de produtos transformados: o pão, o azeite e o vinho.
.
.
.
O primeiro rosado do ano.
.
A Primavera é uma promessa. È uma promessa de Verão. Já se sabe que o Inverno acabou, que os dias frios se vão embora e que não tardam em ir também os de chuva, embora estes sejam mais persistentes. Antigamente era também uma época de fruta.
.
Hoje há fruta todo o ano... ou melhor, há toda a fruta todo o ano. São as vantagens da liberalização e globalização dos mercados. As desvantagens é que hoje a fruta sabe toda ao mesmo, mas isso são contas doutro rosário.
.
Antigamente não havia uma data de coisas que agora há. Ia-se ao estrangeiro comprar roupa de marca e a Espanha comprar caramelos. Os vinhos rosados ou rosés também não abundavam por cá: Agora sorriem-nos. E já lá vai o tempo que parecia mal pedir.
.
O meu primeiro rosé deste ano surgiu, facto curioso, na Primavera. Despontou como uma flor. Foi o Altas Quintas Crescendo Rosé 2005 e nele se notaram aromas de amora, framboesa e ameixa. Um vinho elegante e fresco para os dias quentes. Afinal, afinal, a Primavera ainda tem a sua fruta de época... e o Verão também.

Sem comentários: