digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Tokay e provai ... e não quereis outra coisa!

















Até à divulgação do Vinho do Porto, o Tokay foi o grande vinho da realeza. Este néctar branco pode ter sido destronado, mas não perdeu fama nem prestígio. Aliás, há mais do que um rei a reinar na terra!
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Uma garrafa de vinho Tokay gerou uma guerra. Por ele, os turcos invadiram a Europa e cercaram Viena... Isto segundo a versão do aventureiro Barão de Münchausen.
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O Grande Turco geria o seu império em paz, quando recebeu a visita do aristocrata germânico e a quem serviu o seu melhor Tokay. Mas a reacção ficou-se por um «não está mal». O espanto e a raiva do sultão encontraram consolo numa aposta: Uma garrafa dum Tokay superior, no prazo de uma hora, ou a cabeça do barão, em troca todo o tesouro que um só homem pudesse carregar. Münchausen, um James Bond do final do século XVII, tinha por companheiros, entre outros, os homens mais veloz e mais forte do mundo. Adiante: O tesouro foi todo levado, deixando o perdedor na penúria, ofendido na alma e furibundo, instigando-o a perseguir o seu «007», a entrar pela Europa e pondo-a a ferro e fogo, chegando às portas de Viena.
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Este episódio do impagável personagem literário de Rudolph Erich Raspe só aconteceu no cinema, mas traduz a alma do herói fantasioso (que se opõe ao racionalismo do «século das luzes») e a aura mágica e divina de um vinho que nasce diferente... na Hungria e na Eslováquia.
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Verdade e rivalidade
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O Tokay, tal como é hoje conhecido, data de meados do século XVI, já os turcos andavam em patifarias pela Europa. A produção não prosperou durante a ocupação otomana, mas muitas das adegas foram criadas nessa época. Em 1683, o rei João III da Polónia salvou Viena do cerco e daí em diante dá-se o recuo das tropas turcas e a expansão da fama do Tokay.
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Os romanos introduziram a vinha na Panónia e os eslavos deram-lhe continuidade. A invasão dos tártaros deu cabo das vides, mas estas voltaram com os italianos chamados, por Bela IV, a colonizar a região entre os rios Tisa e Bodrog.
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Consta que em 1617 a vindima foi atrasada devido à previsão dum ataque turco, o que levou ao surgimento da botrytis cinerea (podridão nobre), que faz as uvas murchar, a película ficar mais macia e adocica o sabor. Devido a esta lenda, o Tokay reclama ser o mais antigo «colheita tardia», reivindicado também pelo vinho alemão Rheingau (120 anos mais tarde).
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Ainda que a data verídica seja outra, talvez o Tokay seja o primeiro «colheita tardia». O registo mais antigo sobre a elaboração do Tokay data de 1630 e em 1655 surgiu o primeiro decreto a regulamentar a vindima, obrigando a escolha, um a um, dos bagos afectados pela podridão nobre, a que chamam «aszú» .
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Em 1737, um decreto estabeleceu os limites vinhateiros do Tokay e, em 1772, foi divulgada o primeiro sistema de classificação de parcelas do mundo. Ora, isto faz com que hungaros e eslovacos reivindiquem a mais antiga região demarcada do mundo. Isto entra em conflito com a certeza portuguesa. A instituição da Real Companhia das Vinhas do Alto Douro, por ordem do marquês de Pombal, aconteceu em 1756, traduziu-se no terreno, com marcos a assinalar os limites do Douro vinhateiro, coisa que só muito mais tarde aconteceu na Hungria.
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As convulsões desencadeadas com a Primeira Guerra Mundial conduziram ao divórcio austro-húngaro, ao surgimento de novos Estados e à divisão da região do Tokay em duas, ficando, contudo, quase toda na Hungria.
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A filoxera fez estragos no século XIX e as complicações continuaram na centúria seguinte, com duas guerras mundiais e regimes comunistas na Hungria e Checoslováquia. O Tokay só ressurgiu após o fim da Guerra Fria. Porém, o degelo pôs a nu um problema: o que fazer com um produto valorizado, mas dividido por dois países? A Hungria conseguiu o reconhecimento formal, enquanto a Eslováquia protestava. As negociações de adesão à União Europeia indicaram a solução. Um problema que persiste é o das designações abusivas: França (Tokay da Alsácia), Itália (Tocai), Eslovénia, Austrália e Califórnia.
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A queda dos regimes comunistas atraiu o investimento estrangeiro, estimulou o empenho, recuperou a qualidade, o encanto e o prestígio. Resultado: o preço disparou. Para se ter uma ideia, uma garrafa (meio litro) de boa qualidade («aszú 5 puttonyos») custa em Lisboa (coisa difícil de encontrar) 35 euros... sem especulação face a lojas no estrangeiro.
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Três copitos
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O Tokay faz-se com uvas brancas e tem tonalidades preciosas, entre o ouro e o âmbar. O seu sabor é, por natureza, complexo. Nas produções mais tradicionais, a boca sente maçã caramelizada, caramelo, passas, algum mineral e há quem diga a «alcatrão» (Cruzes! Credo! Haja respeito e pudor!). As novas tecnologias permitem experiências e modas, pelo que os mais audazes conseguem dar a provar tangerina, pêssego, damasco, manga, ananás e notas florais.
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Quem leia estas linhas pode pensar que se trata dum vinho xaroposo e pastoso, mas engana-se! É algo entre o amargo e o doce (como aquela canção de Paulo de Carvalho com poema de Ary dos Santos) e tem boa escorrência. Na mesa vai bem com foi-gras e patês, frutos secos, passas, fruta cristalizada, pastelaria e bolo-rei. Ah! E serve-se frio. Muito frio, entre os quatro e os seis graus.
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Na verdade, existem três tipos de Tokay. O «szamorodni» («tal como vem») não é um «colheita tardia», não tem a mística dos seus irmãos, mas serve-lhes de base. Depois há os «aszú», escalonados em cinco categorias, e o «eszenzia», que entra numa competição à parte.
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Na base está o «aszú 3 puttonyos», que indica que a 80 litros foram adicionadas três cestas de vindimas (20 quilos ou litros) com uvas com fungo, contendo até 9% de açúcar residual. Seguem-se os «aszú 4 puttonyos» (até 12%), «aszú 5 puttonyos» (até 15%), «aszú 6 puttonyos» (até 18%) e o «aszú eszenzia» (mais de 18%).
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A «tal» bebida mágica dos reis designa-se, simplesmente, por «eszenzia» e o açúcar residual pode chegar a 70%. A fermentação alcoólica é lentíssima, a longevidade quase eterna e o sabor... desconhecido por seis mil milhões de pessoas... talvez até mais.
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Aforismos Tokantes
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Húngaros e eslovacos repetem uma pomposa frase sobre o Tokay saída da boca de Luís XIV de França: «é o rei dos vinhos e o vinho dos reis»! Há, aliás, uma forte relação com a realeza. Houve tempos em que os «eszenzia» (a que atribuíram poderes curativos) eram exclusivo dos monarcas magiares e, mais tarde, dos Habsburgos. Pedro I da Rússia violou as suas próprias leis e importou-o, armazenando-o nas caves do seu palácio de Sampetersburgo. Catarina, a Grande, que lhe sucedeu, não prescindiu da especialidade.
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Está provado que alguns dos que saborearam Tokay proferiram algumas das melhores tiradas da humanidade. O mordomo da corte prussiana tranquilizou Frederico II: «Continuai bebendo Tokay, Majestade. As duas primeiras pessoas foram expulsas do Paraíso por comerem, não por beberem».
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Por fim – e porque uma frase em latim dá sempre um toque letrado a quem a escreve e seriedade ao que se lê –, um aforismo do papa Bento XIV quando o provou, oferecido pela imperatriz Maria Teresa de Áustria: «Benedicta sit terra, quae te germinavit. Benedicta sit mulier, quae te misit. Benedictus sum, qui te bibo»! - «Bendita a terra em que germinaste. Bendita a mulher que te trouxe.Bendito sou eu que te bebo»)
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Tocai nos portugueses
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Os «colheita tardia» fazem-se um pouco por todo o mundo e Portugal não é excepção, embora não seja extensa a lista: Casa de Santar Late Harvest (Dão), Chão do Prado Colheita Tardia (Bucelas), Grandjó Late Harvest (Douro), Herdade do Esporão Late Harvest (Alentejo), Quinta dos Carvalhais Colheita Tardia (Dão), Quinta da Lagoalva de Cima Late Harvest (Ribatejo) e Niepoort 2002 Late Harvest (Douro). A vindima de 2005 vai ficar marcada com a estreia do Quinta de Soalheiro (Vinho Verde) e da casta alvarinho. Outras experiências estão a ser feitas na Quinta de Maritávora (Douro) no âmbito do projecto Vinho Meu.

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