digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Este é o meu vinho












Para se fazer vinho já não é preciso ter uma quinta nem videiras. Há quem as tenhas. É só ir, aprender, divertir, engarrafar e vir embora.
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O Douro não é feito só de socalcos. A região vinhateira chega ao planalto, arrima-se às terras bravias. No Parque Natural do Douro Internacional o rio serpenteia, faz gargantas e fronteira. As fragas têm azinheiras penduradas. Talvez por isso, ali chamem carrascos a estas árvores mais conhecidas nas campinas do Sul. Aqui e ali vêem-se oliveiras, mesmo nos torrões mais íngremes. No céu reina o britango. Na terra manda o xisto.
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Em Freixo de Espada-à-Cinta já não é tão fácil ver-se o abutre, mas a pedra fatiada, ainda que lavrada, é a mesma de todo o Douro vinhateiro e do parque selvagem. Por ali, naquele concelho escondido a algumas horas de carro de Lisboa e a umas tantas do Porto, há uma quinta com nome de mulher ou talvez de lenda.
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A Quinta de Maritávora está na posse da família de Manuel Gomes Mota desde o século XIX, mas o nome da propriedade é mais antigo e indica que poderá ter pertencido aos Távoras, cujo couto não é assim tão longe, mais a Sul, já na Beira. O que mais impressiona é o solo... ou a falta dele. Talvez seja melhor chamar-lhe chão. Se passassem um rolo compressor para o alisar e o envernizassem, ficava digno de um palácio. Não tem terra, só pedra. Só mesmo pedra! No entanto, ali há videiras que dão uvas e delas faz-se vinho.
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Quase só ar puro
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A vila tem ar puro, algum património histórico, como uma torre de sete lados, foi a terra do poeta Guerra Junqueiro, e pouco mais. O turismo vive, magro, dos caçadores passantes, dos visitantes das amendoeiras em flor e das vindimas. Foi para ajudar a terra que Manuel Gomes Mota teve uma ideia tão simples quanto luminosa para todos aqueles que gostariam de um dia produzir vinho: pôr a quinta, uvas, adega, tecnologia e conhecimento à disposição dos enófilos. Em troca, a vila recebe grupos de turistas, que ali têm de se deslocar duas vezes.
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A ideia de Manuel Gomes Mota surgiu da tradição duriense de declarar «vintage» (colheita em inglês e que se atribui a vindimas em que a qualidade do Vinho do Porto é excepcional) quando nasce um novo membro da família, mesmo que não vá a reconhecimento oficial da entidade certificadora. Todos os lavradores têm na adega o «seu» vinho, que abrem em momentos especiais. É com esta memória e sabedor da paixão dos enófilos e da raridade da terra que Manuel Gomes Mota quer abrir o mundo dos viticultores aos urbanitas.
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O projecto começou em 2005 chama-se VinhoMeu e a descrição faz crescer água na boca a quem é guloso e tem curiosidade pelas artes e ciências do vinho. O primeiro acto consiste num jantar vínico, em que são dados a provar vinhos criados por diferentes métodos e processos. No dia seguinte, escolhem-se as uvas (tintas ou brancas), o modo de pisa (em lagar ou prensa), a fermentação maloláctica (em barrica ou em inox) e o estágio (a duração e a madeira das barricas).
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O fim-de-semana passa depressa e antes que todos os processos estejam concluídos. Os turistas vão-se antes do início da fermentação alcoólica. As questões técnicas ficam a cargo de um nome respeitado no Douro, o enólogo Jorge Serôdio Borges, autor do muito elogiado «Pintas» e antigo braço-direito de Dirk van der Niepoort.
Como uvas frescas só existem uma vez por ano, estes vinhos fazem-se com recurso a frutos congelados, até porque na época das vindimas há menos tempo para oferecer aos turistas e toda atenção tem de ser dada às uvas que servem para fazer os vinhos comercializados pela casa (Maritávora) ou que são vendidas, desde há gerações, à mesma empresa produtora de Vinho do Porto.
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Os testes efectuados com uvas congeladas têm sido muito animadores. De início julgou-se que só resultariam colheitas tardias ou vinhos brancos, mas as uvas tintas têm tido muito bom comportamento, não se notando qualquer prejuízo devido ao facto de terem sofrido uma congelação.
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Uns meses depois, quando o vinho estiver pronto, os autores vinhateiros voltam a Freixo de Espada-à-Cinta para se juntarem em torno de uma pequena linha de engarrafamento para botar o vinho nas garrafas que escolheram e nelas colarem o rótulo que criaram.
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Quem vem lá
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Os grupos de amigos, as famílias e os grupos de empresas são os clientes alvo da VinhoMeu, que podem, em torno do vinho, criar projectos e diversões em conjunto. Os custos são relativos e barato e caro dependem da perspectiva pela qual se olha e do bolso de quem vê. Manuel Gomes Mota refere que cada opção feita na adega tem um custo, pois uma barrica de carvalho francês duma tanoaria portuguesa não custa o mesmo doutro que vem de França. O empresário refere que o modelo económico não põe as contas num patamar astronómico, saindo cada garrafa a perto de cinco euros, valor comparável ao pedido, em adegas da região, por vinhos de qualidade idêntica.

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