Noto a passagem dos dias pelas cápsulas dos comprimidos que tomo. De manhã vazo um e digo:
- Estou vivo!
À noite, ao deitar, emborco três e exclamo:
- Tenho de continuar vivo!
Por vezes durante as horas intermédias vai mais um ou dois ou três ou só meio. Aí nem noto, limito-me a sobreviver ou a viver sem notar.
A minha vida baliza-se entre comprimidos, para poder ser normalzinho, para não espumar da boca, para não espancar ninguém, para não dizer impropérios nem ordinarices, para não andar triste, para não andar feliz. Engulo normalidade compactada.
Para mim estar vivo significa cumprir o ritual dos comprimidos, pois doutra forma deixaria de viver ou correria o sério risco de deixar de estar. A minha vida ora é uma espiral ora uma elipse ora uma recta de aceleração ora uma curva apertada de travagem, percursos perigosos para se sobreviver, quanto mais para se viver. Dizem os médicos que a minha vida é perigosa. Por isso, tiram-ma dando-me comprimidos.
Os meus dias são banais quando não são de tédio, no mínimo são desinteressantes. Noto que passam quando esvazio mais um receptáculo de comprimido. Digo:
- Mais um! Mais um dia. Mais um comprimido. Ainda ontem comecei esta lamela e já está no fim, passaram-se, então, dez dias. Daqui a nada, um mês. Não tarda e é Natal.
Os meus dias são banais quando não são de tédio, no mínimo são desinteressantes. Dizem os médicos que a minha vida é perigosa. Por isso, tiram-ma dando-me comprimidos. A minha vida baliza-se entre comprimidos, para poder ser normalzinho. No entanto, não gosto, mas deixo. Até um dia em que me farte e os deixe de tomar.
6 comentários:
tenho um amigo que diz:
"qualquer dia levanto-me e mato todos os gajos que não pensam"...
ena, isso era mais de metade da humanidade
Tens é que comçar a tomá-los às horas certas...
mhm...não seria melhor ires ao médico?
:)maravilhosa lucidez, a que manténs...mesmo sob o efeito dos benditos comprimidos.
quais comprimidos? este texto como quase tudo neste blogue é ficção...
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