digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, outubro 17, 2006

Mona

Não vi a Gioconda e nunca a verei, porque haverá sempre turistas japoneses amontoados à frente e muita outra gente atrás com pressa de soltar exclações ignorantes.
Não vi a Gioconda e nunca a verei, porque haverá sempre pressa, correria, barulho e confusão. Não a terei em frente com calma. Não a terei e não será de ninguém. A Monalisa não é de ninguém, porque é de todos.
Não vi a Gioconda e nunca a verei, porque haverá sempre vidros à frente, e, antes que a veja, verei as superfícies lisas, transparentes, mas não invisíveis.
De que me valeria vê-la se não a posso ter para a ver sempre que queira? A memória é atroiçoável e não há cor, traço ou composição que resista a um minuto de lembrança, e a minha fantasia é vasta... talvez tão imensa quanto a de qualquer outra pessoa. A Gioconda não perdura na memória, tal como qualquer outro quadro. Por que haveria de a querer ver se não a posso lembrar nem a ver sempre que queira?
Já a vi em gravuras, em estampados, em selos, em reproduções várias que valem tanto quanto a própria Monalisa, porque retratam a mesma mulher ou homem ou enigma, porque se reportam ao mesmo. Uma frase vale por si e importa quem a cria e não quem cita. Pois faço o mesmo com a Gioconda: importo-mo com Leonardo e não quero saber se a minha preciosidade é a verdadeira ou uma reprodução, pois ela vale como citação.
Não vi a Gioconda e não tenciono vê-la, a menos que queira gozar com as exclações de pasmo dos tolos que a vêem.

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