digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, junho 14, 2006

Sou uma garoupa

Tenho as mãos nos bolsos da cabeça e, quando posso, encosto-me às paredes deitado dias a fio. Ando de cá para lá na cama à espera que aconteça o milagre da aparição do que quer que seja para agitar o ar morno dentro de mim e que confundo com aquele que respiro. Sonolento e estiraçado, entre o sonâbulo e o adormecido, sou um peixe a viver fora de água. Sou uma garoupa gorda com uma grade boca aberta e a ameaçar tragar. Sou um enorme trofeu de pesca e uma iguaria. Mas ninguém me pesca, porque o meu mar é fechado e vivo deitado e fora de água. Dói-me a cabeça e a alma e só respirar já é um tédio. O meu quarto está decorado com fastio e tem penduradas lascas de aborrecimento que me prendem a ilusões entorpecentes. Custa-me existir fora da cama e a preguiça e o medo de sair tornam-se num susto. Sou uma garoupa assustada. Não quero ir para o mar, porque temo que a água salgada arranhe as escamas. Este aquário de água limpa, mas com muito tédio e fastio, que é o meu quarto, é um refúgio seguro para viver estúpido. Daqui não saio e se daqui não sair não terei mais desilusões nem desencantamentos. Visto daqui, o mundo e os mares são como os imagino e ficarão como estavam na última vez em que os vi e nadei. Sou uma garoupa amaldiçoada. Ninguém me pesca na minha cama de medos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Como sempre soberbamente bem escrito...