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Hoje não durmo por causa de duas ou três frases malditas há uma semana e mais uns cubos de gelo pela camisola abaixo que provei hoje. Não consigo dormir com o gelo que vai nesta casa. Depois há as infatigáveis moscas dos pesadelos que me atormentam e não deixam o sono pegar. Já percebi que vou ver o Sol nascer e tombar na desistência. Estas comichões dentro da cabeça são pavorosas e agarram-se às ideias. Torna-se difícil pensar ou fazer qualquer coisa a não ser ter pesadelos... os malditos pesadelos e suas sarcásticas dores. Anda aí uma peste-negra desde há uma semana.
Anda aí uma peste-negra a alimentar-se de mim e já fui ao médico e já enxotei as moscas transmissoras dos pesadelos e já pedi perdão e já perdoei e não sei o que mais possa fazer para que parem as tenebrosas comichões dentro da cabeça. Disse-lhe que queria calor e experimentei o ardor dos cactos e a virtude do ácido nas feridas. Uma semana depois, julgando que melhorara, disse-lhe que queria a paz e gelou-me o corpo todo. Maldita sina esta. Não será possível a peste-negra passar?
Hoje não durmo por causa das comichões que tenho dentro da cabeça. Na testa despontam-me hastes córneas, como um touro. Torno-me cornudo, porque não posso ser um tigre. O que importa quanto se viveu e o que se viveu? Há vida nova e os beijos antigos esquecem-se e perdem a cor no fundo das gavetas. No fundo do coração está uma pedra amarrada ao amor-antigo, a prova que foi afogado... afogado em lágrimas. Maldita peste-negra! Torno-me cornudo, porque não posso ser tigre.
Todo o meu passado não interessa. Não interessa a ninguém. O meu presente pode servir de acendalha nas lareiras e como não está frio nem para isso dá jeito, vai para reciclar. Coisa assim não tem futuro. Não tenho futuro. Torno-me cornudo, porque não posso ser tigre.
Hoje não durmo com comichões dentro da cabeça. A peste-negra fez das suas. Eu alimentei-a, mas não o fiz sozinho. Hoje não durmo até ser dia.
2 comentários:
Morbidamente bem escrito!
João querido... um beijo enorme.
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