digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, março 29, 2006

Veludo

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Um cardeal tinha um corvo no salão nobre. Era lá que aquecia os pés e recebia as confidências das Excelências. Naquela sala de reposteiros pesados em veludo escarlate, o cardeal era um santo homem: absolvia os pecados em troca de umas tantas orações. A ave era malvado e com o bico feria os incautos poderosos pecadores. Era no braço, era no rosto, era numa parte qualquer onde causasse dor. Não porque tivesse fome, mas por crueldade.
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Naquela sala onde o ar da rua não chegava senão filtrado pela espessura do escarlate, o príncipe eclesiástico era um velhaco: conjurava contra amigos, urdia ciladas e intrigava alianças, com nós de sorrisinhos e lacinhos de poder, colares de putas e ligas de duquesas. O corvo era mais puro, só bicava porque sim e não pensava nas consequências. Os dois tiveram da vida bom proveito: morreram de velhos, sós e apenas com o outro como companhia. Desta vida com nada ficaram, nem com o próprio corpo que usaram... só uma impressão escarlate.

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