digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, maio 31, 2017

Nuca


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– Repare-lhe a nuca.
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– Sensual.
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– A quietude torna-a quase morta. Porém, não doentia.
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– Tal não é sensual. Destruiu-lhe a luz.
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– A vida é o que é o que vemos.
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– Vejo sensualidade.
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– Acrescenta-lhe conhecer-lhe o rosto, sabe o quanto é bonita. Mas não lhe alcança a aura.
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– E o que vê?
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– Sinto-lhe desesperança.
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– Atente nas árvores, na luz… não pode ser.
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– Reconheço-lhe escuridão.
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– Penso que não entende o que vê, porque se vê nela e não a ela.
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– Vamos contar o tempo em que vai ficar?
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– …
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– Está simultaneamente entediada e com vontade de se entediar.
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– Ficar calado e imóvel pode ser motivo para que se batam palmas.
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– Os sábios sabem calar-se.
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– E se não se calarem?
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– São sábios e tolos.
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– Isso não é impossível?
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– Penso que não.
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– Explique-se, por favor.
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– Levaria tempo de aborrecimento, para mim e para si, dissesse num segundo ou por várias horas.
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– Está entediado…
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– Entediado e com vontade de me entediar. É a melancolia.
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– É o mesmo?
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– Não sei e pensar nisso enfada-me.
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– …
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– Pode contar o tempo até que o primeiro desista.
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– Ela tem um pardal para se distrair. É bela e tem o dia. O senhor tem a noite.
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– Não lhe desvalorize a vitória nem me elogie a tristeza.
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– …
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– Conte o tempo, entedie-se ou vá.
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– Deseja-a a sós?
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– Como se pudesse…
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– Deseja-a?
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– Não penso nisso, tento não saber. O que faria com tanta beleza? Como a beijaria? Como a teria?
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– Fantasia.
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– Fantasio. Sonâmbulos ou loucos somos o que queremos e temos tudo.
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– Deseja-a.
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– Como o esconder?
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– Acha-a bela.
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– Isso importa?
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– Não importa?
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– Importa, sim. E a ela importa-lhe a melancolia, tal como a mim. Duas melancolias são trágicas.
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– Resiste-lhe à beleza. Tem medo.
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– Medo de a perder antes de a ter. Medo de a ter e não saber o que fazer. Medo de a perder.
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– Pensa que nos ouve?
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– Certamente não nos dá importância ou já a posição teria mudado ou a voz se ouvido.
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– Deseja que vá?
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– Não, fique. Fique, porque a sua presença, neste momento, perturba-me e isso acalma-me o tédio.
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– Se contar o tempo, sem dizer nada, como o poderei afectar?
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– Basta-me saber que está aqui.
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– Tal como ela sabe que falamos dela.
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– Mesmo que aqui não estivéssemos e ou se ficássemos calados… ela sabe.
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– Por que o diz?
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– As mulheres sabem tudo.
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– Dá-se a essa importância.
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– Sonâmbulos ou loucos podemos tudo.
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– Fantasia.
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– Fantasio.
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– Conto o tempo.

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