digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, janeiro 29, 2017

O gato fantasma

.
Mãe, crescer é estúpido. Para que se vai quando se pode ficar?
.
Esta madrugada olhei-me ao espelho tal como quando era miúdo. Amadurecer é ter mais cara à volta dos olhos.
.
Estavam verdes, às vezes e poucos souberam. Fiquei minutos vendo na pele a tristeza, esquecendo o bem – a ingratidão da minha memória.
.
Fiquei sem pensar em mais nada do que os meus olhos verdes, reconhecendo-me finalmente, há tanto que não, e a pele. Foram minutos que não saem.
.
Adormeci esquecido do dia da contemplação antecipada do fim. A mãe está mais feliz e todavia exausta.
.
Acordei em vazio, sem noite nem manhã, só dor das cãibras.
.
Lembrei-me e chorei por causa do gato invisível de Alzira e dos dentes todos que uma gaja roubou ao Francisco.
.
Não foi por isso. Foi por ver a mãe. Envelhecer é ter olhos maiores do que a cara e cabelo desistente.
.
Desejo-lhe brevidade, por lhe amor e por mim. Agora que está mais feliz vê-se-lhe a tristeza.
.
Mãe, nunca lhe mostrarei as lágrimas nem tenho medo que morra.

Sem comentários: