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Agarrei numas fotografias que estavam num daqueles sacos de papel e
vieram-me memórias. Ou foi o oposto, uma lembrança inútil que puxou outra e finalmente
acudi àqueles papéis.
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Não fiz de propósito e os acasos inexistem. No topo estavam as
ampliações dos nus. De que serve a nudez com vinte anos de atraso? Nem para
socorrer aflições. Sei do tempo, vários afectos e, além do mais, és tu – que te
despiste sabendo que seria arte e só foi, ainda segredo.
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Esses nus ainda não estão documentos – se o fossem estariam mortos. Continuam
arte e pudor. Nem me lembro quanto aqueci ao ver-te entrar pela câmara.
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De tudo o que quis, quase tudo deixei. Dispensava as dores dos afectos,
suas cicatrizes, memórias e Narciso em queda.
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Mas sem erros e sem memória não se aprende, não é?!
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Não é! A mesma tendência para o coração partido, fractura exposta, e
alma amarfanhada em bafio – noites de insónias em dormências, tanta vergonha e
arrependimento. Despojando-me à miséria e tão tarde, sempre tardiamente
consciente.
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Por que te deixaste fotografar nua? Tinhas-me. Por que te deixaste fotografar
nua? Querias-me. Por que te deixaste fotografar nua? Queria-te. Por que nos
fotografamos nus? Por que não te despiste?
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Já reparaste que te escrevo não só. Aliás, esta fotografia nem é tua.
Por que te despiste? Por que não te despiste?
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Por que fizemos amor? Por que fizemos sexo? Por que fizemos amizade? Por
que fizemos engano? Por que não fizemos nada?
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Cada nu é um espelho onde estamos separados mais pelo tempo do que pela
dimensão ou situação.
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Hoje talvez apares a púbis… não penso nisso. Pensei agora. Sim, pensei. Pensei,
porque nesses nus és bosque.
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E tu, que te nunca te fotografei nem vi nua, como tinhas, jardim ou
natureza?
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Ia perguntar-te como tens, mas… não quero inventar fantasmas nem criar
feitiço.
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Por que fizemos amor? Por que não nos saboreámos?
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Sem inventar feitiços nem criar fantasmas, penso cientificamente, na
pureza da chatice do pensamento vácuo, no que aconteceria se fosse hoje, agora,
neste instante, com todas as pessoas e dias do meio entre nós deixadas à porta.
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Como então, a roupa descendo e o espelho subindo e repousando.
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Tirarias a roupa? Fotografava-te? Faríamos cama?
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Repara, não és tu quem está na foto.
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