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Não sei se foi ontem ou hoje, mas hoje não está, nem veio,
nem quando assobiei. Um abraço frio ao corpo que tanto calor me deu e levou. Deixou-me
o corpo, o que não quero. Terei sempre os olhos muito grandes e azuis, muito
espantados, a olharem-me sem receio.
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Confiou-me tudo. Nem com as minhas aselhices se zangou ou
amuou.
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Disse-me:
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Disse-me:
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– A Lioz é a tua favorita!
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Não é. Mas a Lioz é a mais frágil. Saiu muito cedo da mãe,
por estupidez minha, e nos primeiros dias amamentei-a à força, por se estranhar
longe. Sobreviveu e durante anos, no miminho, mamava-me as cabeças dos dedos da
mão.
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Sempre meiga e dócil. Só duas vezes a vi zangada. Numa para
me defender da Granita – coitadinha sofria e soprava por infecção em duas patas
– que renhaunhou. A pachorrenta cuidou ver-me necessitado de ajuda. Jogou-se à mana, que protegi como pude. Outra vez, o brincalhão
do Chuqui fez um ruído na brincadeira, à Lioz, gorducha e pacata, soou-lhe a
maldade; agarrei-a para que não se atirasse ao outro bicho.
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A Lioz adora a minha mãe. Na minha casa anterior, punha-se
sobre o frigorífico quando percebia que estava de saída, enquanto passava dava-lhe festinhas com as patas.
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Sempre em sobressalto num ansiedade e, contudo, tão doce e
cordata. Nunca se arreliou por a ter deixado cair (aleijou-se), não sabia cair como fazem os gatos. Tive de a ensinar a cair. Não me ferrou nem mesmo quando este idiota achou que
poderia limpar-lhe um olho com água-oxigenada.
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Gorda e rápida. Um dia esgueirou-se, numa madrugada, para
dentro dum armário. Estava escuro, não vi. Voltei três dias depois e ouvi-a
miar aflita. Descobri-a e saltou a correr para ir beber água e comer. Sem que a
chamasse veio mimar-me, agradecendo tê-la libertado… eu que a fechara.
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A Lioz é, mas não terei a sua cabeça para dar e receber
marradas nem os longos, longos, longos, muito longos abraços e que ronronava
infinitamente. E se dormindo comigo, junto ao peito, fossem que horas fossem
que eu abrisse um olho ou despertasse invisível, a Lioz ronronava.
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E agora, quem vai abrir as gavetas, os armários, o frigorífico (!) ? Quem vai fazer o ninho entre a minha roupa. A «Mãozinhas»... olhava com atenção para o micro-ondas, único cofre que não abriu...
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«A minha gatinha gorda», sussurrava-lhe nos imensos e longos mimos. A mais brincalhona, sempre menina quando via um cordel a passear, com coisinhas de nada, com amigos invisíveis. Corria de vagar, não gostava e não temia o Chuqui e era tão veloz a caçar qualquer brinquedo.
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«A minha gatinha gorda», sussurrava-lhe nos imensos e longos mimos. A mais brincalhona, sempre menina quando via um cordel a passear, com coisinhas de nada, com amigos invisíveis. Corria de vagar, não gostava e não temia o Chuqui e era tão veloz a caçar qualquer brinquedo.
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Respondo:
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– Não é a preferida. É a especial.
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Salvou-me a vida.
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Nota: Saber da morte não é insentir a dor. Saber da chegada
não antecipa, mas prepara. Foi como um gato. O meu pai suspirou suave e seguiu
para onde se esperava. A Lioz fez-me chorar antes de a encontrar, porque o meu
coração de mãe. Sim, existe coração de mãe. O meu coração de mãe deve tê-la
ouvido miar no sítio dos gatos.
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