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Nasci doce e manso e por isso cresci fazendo-me estúpido,
umas vezes querendo e outras espontâneo. Tantas e tonto verdadeiro, mais
triste. Dei-me à lâmina antes que me traíssem.
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Por causa da mansidão quis-me frio cínico. De tudo fiquei
com a essência dos derrotados. Fazendo-me de estúpido não entendi que me
percebiam, fiz figura de estúpido, sem mérito.
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Disfarçando os golpes patéticos, mais do que uma vida
aguenta, recriei-me menino, menino-pateta, aparvatando nas fotografias. Se no
humor fui sincero, riram-se de mim e não das palavras.
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Talento, trabalho, esforço, dedicação do pensamento ao sonho
e da boca aos dedos, nos traços e nas palavras, para que me restasse na sala de
estar dum hospital à espera de vez.
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Tudo em vês e zês, zumbidos de impaciência e mansidão. Suspiro,
levanto-me, sento-me quando há lugar ou despejo moedas para beber água. Numa bola
dentro da nave em gravidade zero, ouvindo dentro dum aquário, tenho a ilusão do
consolo da inalação de benzina. Era quase isto, esta sala antiga com gente feia
enfeitada de verde e carregada duma dor. À espera impaciente e resignado – tudo
na vida. O que fazer com ela?
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Nem corrente nem margem.
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