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A mágoa mergulha-me e só a mentira salva. Mas se descubro.
Lembro-me daqueles dias, daquela felicidade, dias não passavam, noites eternas
e madrugadas de caminho.
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Não é nostalgia, é inveja de quem fui, quem esperava ser, que
tinha a certeza que seria e do futuro.
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Nem Narciso nem Dorian nem Saint Germain nem o astronauta, o
tempo era só de ponteiros e tinha uma luz.
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Um dia, ainda sem compreender a razão, fiquei no ar como um
desenho-animado. Ainda sem saber como, entrei num buraco-de-minhoca. Do tempo
não sei, se horas, dias, meses ou anos. Numa outra vida, não quero, não sou,
mas sou do verbo estar – a confusão de tudo em mim: coração, fígado, pulmões e
cérebro.
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Como chuva no caminho, gelo até aos ossos e um desejo de não
ter vontade, de não estar, de não estar do verbo ser. Como que até aos ossos,
do perispírito ao espírito, o ânsia de desexistir.
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Se não visse – outro dia cortei-me no lado rombo duma lâmina
romba e oxidada – não teria sangue. Por isso, deverei ter bílis, suco gástrico,
suor, cerúmen, muco, saliva, sémen e urina. Se não visse não existia.
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O meu cérebro é rígido e maciço, incapaz de aceitar. Mas
empola-se quando a infecção chega àquele lugar, à antecâmara da alma, por conluio
ou desavença medieval das acetilcolina, dopamina, histamina, noradrenalina, serotonina
e substância p.
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Nem vinho nem pão nem carne. Chocolate, gelados e gomas na
falta de pistola de comprimidos.
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Foi mergulho-bomba, alguém empurrou ou caí – não quem
esperava ser, que tinha a certeza que seria e do futuro – num buraco-de-minhoca,
e agora numa vida errada, onde sou o medo que nunca pensei haver em mim e
sentir de mim.
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