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Voltar ao tempo das rosas, que apareciam espectrais no
silêncio da casa da primeira liberdade. O silêncio no quarto dos livros e
daquele tapete que nunca mais usei. Tão pequena, a casa, a maior de todas em
que vivi.
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Acreditava no amor perfeito e em canções eternas, que a
idade passaria recta sem intercepção. Sem elixir ou magia, com a bênção vertida
sobre os eleitos. Tive tardes eternas e pressentimentos do rio.
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O pai e a mãe, os carcereiros davam-me colo e almoçava para
matar as saudades, sem ressentimentos, guardando os segredos.
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Um dia acordei numa cidade que sabia existir e desconhecia.
Um quarto andar como um buraco negro que me sugou lentamente, regurgitando-me e
sorvendo-me novamente, num vagar sádico e negrum aterrorizador.
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Mais alto e lunar, a Torre do Tarot. A selva de pesadelos e
incredulidades, onde ogres vigiavam e monstros invisíveis retraçavam o ânimo, a
esperança e a luz.
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Nunca é minha, a casa das escuridões, da doença da
desesperança. Nunca a sonhei porque, desligado do corpo, fugia.
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Abalei com uma mala de amores. Mas pesadelo desse cárcere é-me
lembrado e, desligado do corpo, fantasmas arrastam-me e de lá desperto fugindo –
aterrorizado e ofegante, acordo confuso. A janela do quarto sossega-me.
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Amores morridos, canções esquecidas, memórias escondidas e a
desilusão pela consciência do mal que fiz e do que desperdicei.
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Acordei velho e gordo, cansado sem nostalgia. A primeira liberdade
fica tão longe.
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Aqueles anos do buraco negro consumiram-me velozes e
esqueço-me para não os lembrar. Sinto que vivi vidas nestes quarenta e cinco
anos pesados, insaudáveis e desleixados e desalinhados.
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Órfão de sorte e salvação. Sem ver destino nem caminho nem
desafogo nem luz nem penumbra nem ovni.
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A bênção dos eleitos não verteu em mim.
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Um lúzer – como dizem os americanos.
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