.
Perguntou-me com ignorância sincera:
.
– O que é a arte?
.
– O olhar… eh…
.
– Por que estás a olhar para o meu decote?
.
– Porque me lembrou uma pintura de que gosto muito?
.
– …
.
– Não, não estou a pensar dizer-te que são uma obra de arte…
Os seios, como qualquer parte do corpo, não são arte. Podem ser inspiradores…
mas arte, não. Desde logo porque o corpo não é um objecto.
.
– Por que os homens nos olham os seios como se fossem
objectos? Não gosto!
.
– Os seios são luzes e os nossos olhos são mariposas.
.
– Acho detestável, essa mania de falarem a olhar-nos para as
mamas!
.
– É a natureza do homem…
.
– Isso é machismo! Não pensei que fosses machista.
.
– Não é machismo, é natureza. Devemos combater o que há de
animal em nós?! Certamente que sim, em parte… mas há situações em que pode não
ser possível.
.
– Essa lembra aquelas bestas que dizem que uma mulher de
minissaia está a pedi-las… entenda-se, pedi-las significa ser abusada ou mesmo
violada.
.
– Nada disso! Isso é bestialidade! Outra coisa é admirar
genuinamente o que os olhos e cabeça apreciam…
.
– Discordo!
.
– Tornou-se politicamente correcto caparem-se os olhos dos
homens.... Os homens têm uma sexualidade diferente da das mulheres… Temos
direitos. Quantas vezes a feminilidade não é uma pirosada enjoativa? Mas por
ser mulher tem-se o direito a gostar de rosa-cocó?...
.
– Estás a ser estúpido.
.
– Talvez! Irrita-me que me queiram capar os olhos ou me
obriguem a torcer o pescoço para não ver ou fingir que o peito não está ali…
.
– Não gostamos que falem a olhar-nos para as mamas!
.
– Olha que há quem goste… garanto-te! Pondo a questão ao
contrário… por que não cessam a nudez? Garantes-me, com sinceridade, que a
janela sobre o peito não é engodo consciente… para uma sedução civilizada… não
para piropos ou outros grunhidos?…
.
– Não tem nada a ver.
.
– Tem tudo a ver! E até te digo mais; as mulheres também
cobiçam o corpo do homem, e comentam, e falam dos rabos, e das pernas…
.
– O corpo não é arte – mas dizemos que aquela pessoa, homem
ou mulher, é uma obra de arte… o que é a arte?
.
– O corpo não é arte, como uma árvore não é Deus.
.
– O que é arte? Nunca percebi e sei que nisso sou um pouco
básica…
.
– Não és nada básica. Básico será aquele que não admira, nem
pensa, no belo…
.
– Corpo? Corpo, não?
.
– Quanto a mim, arte tem de ter conceito. Porém, muitas são
apenas coisinhas bonitinhas – pirosadas mais ou menos sofisticadas – ou coisinhas
horripilantezinhas – igualmente pirosasinhas.
.
– …
.
– Há expressões, técnicas, temáticas, abordagens, estilos…
isso são acessórios ou auxiliares.
.
– Acessórios? Admites que um monte de pneus seja uma obra de
arte, só porque tem um conceito? Ou, como
aquele monte de lixo, de Paul Branca, que tinha um conceito tão marcado que a
senhora da limpeza o varreu e deitou no caixote do lixo?
.
– …
.
– Ou o quadro de pintura esborratada, feito por crianças da
escola primária, que uma jornalista pendurou na feira de arte de Madrid e que
mereceu elogios de críticos, galeristas e apreciadores cultivados?!
.
– … Uma vez vi uma obra de arte… Era um cartão com uma
aguarela impressa, mas não sabia… Não a tinha na mão, estava a uns três metros,
mas percebia-se uma técnica aprimorada. Perguntei à artista acerca da técnica
da aguarela… olhou para mim como se eu tivesse vindo da Lua… Senti-me muito
estúpido por não ter percebido que a obra de arte era o caixilho prateado que ela
pintara à volta…
.
– Isso é arte?
.
– Sabes, acredito que no mundo espiritual, para onde iremos
depois de morrer, toda a criação artística estará ao dispor…
.
– Achas que Deus é um coleccionador?... Que tem curadores?
.
– Espero que sim…
.
– Haverá lugar para as instalações de lixo e pneus
amontoados?
.
– … Arre!... Sei lá! Sei lá o que é arte!... Sei lá se Deus
tem uma galeria com toda a arte… se…
.
– Deus não existe!
.
– Chiça! Estou quilhado contigo… mas adoro o teu decote!
.
– Já tinha reparado.
.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário