.
A carta não chegou. A demora preocupa-me. As más chegam
depressa e as boas sempre tardam, a mesma pressa do correio.
.
Se o telefone tocasse, uma voz sem cor pronunciasse uma sentença
que se escuta em silêncio e obediência, era mais fácil. Se se soubesse o atraso
do único relógio, quase sempre parado, quase parado, mais precisa a ansiedade.
.
E nada! O pó repousa em camadas de silêncio. A madeira velha
da mobília é uma fotografia. A vida não passa, sobram lembranças e fantasmas. Sentado
na alma, contemplando-me no reflexo e indeciso se pertenço à cápsula.
.
A carta não chega. Talvez escreva uma; um pensamento mágico
diz-me que surgirá de imediato. E se não…
.
Como é ridículo ser-se supersticioso e falhar o feitiço. Calado
digo rezas acabadas de inventar, para que chegue e traga sentença.
.
Adormeço noite e noite e noite e noite e sempre assim.
.
Enquanto há luz escrevo a escuridão daqui. Acenderei a vela
para selar as palavras usando um dedo-sinete. Ficará acesa para afugentar os
fantasmas do escuro. Apagá-la-ei para esconder os fantasmas das penumbras.
.
Sem nada para comer. Sem nada para morrer. Mais uma
noite de espera.
Sem comentários:
Enviar um comentário