digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

segunda-feira, setembro 08, 2014

O cheiro do frasco verde de perfume

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Havia um perfume num frasco verde que imitava uma pinha. Não sei bem como definir o aroma, mas se me chegasse às cegas diria. Havia tapetes grossos e almofadas de fronha áspera e o soalho de tábuas madeira crua. Havia cartazes de concertos e nas paredes algumas palavras escritas a negro por marcador de bico grosso, desabafos adolescentes em inglês e versos de canções simbólicas. Um cachimbo de água e o gira-discos a tocar os mesmos discos. Havia penumbra. Havia um mundo qualquer lá fora. Havia absinto com sumo artificial de laranja e gelo. Havia haxixe e um sentimento de amor e a namorada do outro lado do quarto e alguns amigos. Havia uma coisa maluca a passear-se entre o escalpe e o cérebro. Havia uma viola com falta de cordas. Diziam-se profundidades que faziam rir. Faziam-se silêncios que se quebravam no riso. Havia certezas.
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Tanto sonhei, nesse momento agora recriado, mistura de momentos, em que era poderoso e sensível. Queria ser como os da Renascença, fazia tanta coisa e acreditava que chegaria o meu dia de luz.
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Abriram-se estores e portadas, afastaram-se cortinas. A luz apagou o quarto – esvaziou-se. A luz banal da vida dos comuns.
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Ainda sonhei com uma centelha e os anos escureceram os dias e diluíram-me. Não sei onde falhei nem como regressar ao quarto do fumo para nele procurar indício para cumprir nem que fosse um só desejo.
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Não há caminho de volta e para a frente não o é, mas o único que me deixam, obrigam. Se pudesse ficava e fumava haxixe e beberia absinto com sumo de laranja artificial, esperando magia.
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Vivo num corredor estreito e opressivo, iluminado pela triste e feia luz das lâmpadas fluorescentes de tom esverdeado... num relâmpago mental evoco a descoberta da fotografia e da brincadeira com os filmes ORWO. A frustração, fraquejo e quase tombo de joelhos.
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Uma parede avança atrás de mim, sem empurrar fecha-me a retirada. Como é feio este corredor de tédio e desalento. Ladrilhado pelas vontades que me foram caindo e que piso avançando para onde não quero ir. As paredes apenas úteis e sem folgas.
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Andando como um equino preso à carroça e a passos tantos.
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E cheguei a um lugar onde passei a noite, porque a luz se sossegara. Tomei uma das pedras daquele lugar e a pus como meu travesseiro e deitei-me naquele lugar. E sonhei: e eis uma escada posta na Terra, cujo topo tocava nos Céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela.
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Acordei sentado e assim fiquei por tempo indeterminado, pensando na escada e no caminho do tédio.
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No final desse tempo, que passei sem dormir, voltei a andar e quando me deitei sonhei que subira a escada para Deus e me sentara a pensar, consolado pelos anjos. Levantei-me e desci os degraus para caminhar no tédio, desejando desexistir...
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Caí-me consciente e hiperventilei-me, arrefeci no chão e nele bati várias vezes com a cabeça, com força também. Embriaguei-me na dor que me lembrei e repousei exausto, ao acordar arrastei-me e desmaiei.
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Não quero seguir o meu caminho nem o de Deus nem outro qualquer.
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Vivo num lugar que não quero.
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Quero desexistir. Deus não deixa e o Diabo não existe. O Inferno é um estado da alma.
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A minha sobre de tédio.
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Nota: Parte inspirada no Livro do Génesis (28 – 11:12):
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E chegou a um lugar onde passou a noite, porque já o sol era posto; e tomou uma das pedras daquele lugar, e a pôs por seu travesseiro, e deitou-se naquele lugar.
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E sonhou: e eis uma escada posta na terra, cujo topo tocava nos céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela;


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