Nasci faltavam cinco minutos para as nove da manhã. Por isso
chego sempre antes da hora. Se sou moreno é porque nesse dia se verificou a
temperatura mais baixa em Quetta, no Paquistão. O mercúrio do termómetro baixou
além dos dezoito negativos – assim fui aclarado como um escandinavo, pelo que tenho
fisionomia mediterrânica.
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Comecei a acreditar em signos do zodíaco quando percebi que
todas as previsões saem erradas. Concordo, sou do contra e quase tudo dá errado
na minha vida. Até quando um reputado astrólogo me consultou e garantiu que a
primeira década do novo milénio seria a melhor da minha vida, para mais tendo
entrado nos trinta. Foi o pior período da minha vida! Lá estou eu a
contradizer.
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Há gente – tanta – que afirma que o meu ascendente é
Capricórnio e que tal e tal e tal batem certo com a personalidade. Sei que não
bate nada. Espírito de contrariedade dos capricornianos, salientam.
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Há gente – tanta – que afirma que o meu ascendente é Aquário
e que tal e tal e tal batem certo com a personalidade. Sei que não bate nada.
Espírito de contrariedade dos capricornianos.
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O céu – o Céu – é um campo de estrelas, compostela, como o
Caminho para Santiago – e de lá podem os magos tirar o que quiserem e meter na
nossa cesta. Claro, que não podemos – o destino escreve-se nos astros.
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E ainda bem que não podemos tirar de lá nada e podia ceder à
tentação. Não gosto de tirar nada a ninguém e juro que tudo o que de astral carrego
foi porque me deram. Às vezes à força por quem sabe de signos. Espírito de
contrariedade dos capricornianos, salientam.
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O que não percebo é como uma estrela a quatro anos-luz pode
explicar a minha aversão à matemática ou intolerância ao peixe, falta de jeito
e prazer no desporto e talento para a natação, especialmente no crawl.
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O que não percebo é como o achamento dum planeta – planeta-anão,
diz-se assim agora – exercer qualquer coisa que antes de ser encontrado não
exercia, o Plutão. Se calhar, uma vez que foi despromovido já ninguém lhe dê
importância nos mapas.
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O que não percebo é por que aquela estrela, tão visível que
fica importante, é um conjunto... até já lhe ouvi chamarem enxame... ou
confundo e baralho: há um grupo de duas, de quatro e o tal enxame. Muda alguma
coisa? Não. Ao contrário de Plutão.
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O que não percebo é como estrelas, que formam um «ser» no
espaço e regem a nossa vida, podem estar mais distantes umas das outras do que
outras, apenas afastadas se olharmos para o céu como uma superfície lisa. Penso
que se designa por erro de paralaxe, mas o mais provável é eu ser do contra.
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O que não percebo é por que há treze signos no zodíaco – no cinturão
de estrelas que «rodeia» a Terra no equador – e apenas doze são contabilizados.
Diria que é porque o doze tem magia... divide-se por dois, por três, por quatro
e por seis – afinal sou barra em matemática. E doze são os meses do ano. Além de que o três e o quatro também
têm significados de transcendência.
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Magia?! Ciência! Ciência milenar, garantem-me, mas não
acredito porque sou Capricórnio e na minha essência floresce o espírito da
contradição.
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O que não percebo é como uma ciência tão exacta é tão
diferente de civilização para civilização. Se o fenómeno é universal, a
explicação e a descoberta deveria ser igualmente total. Pronto, já sei... o
espírito de Capricórnio.
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O que não percebo é por que têm os signos cerca de trinta
dias, quando no zodíaco verdadeiro – aquele que não é mais do que figuras
imaginadas no céu – as constelações têm uma amplitude de dias de vidas, entre
os sete de Escorpião e os quarenta e cinco de Virgem.
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O signo expulso tem vários nomes e a sua simples consideração
na «matemática» adivinhatória baralha tudo, e só o de Peixes fica quietinho...
peixe quietos só mortos. Aliás, deve ter sido pelo seu carácter arruaceiro que
Esculápio (Serpentário... ) foi banido.
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O que não percebo é por que a «localização» das estrelas no
céu é mutante, com grandes afastamentos ao longo dos séculos – a Terra move-se,
o Sol move-se, as estrelas movem-se e a galáxia move-se – e os especialistas mantém-se
a ler um céu de há três mil e duzentos anos.
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Não tivesse eu a malvadez de contrariar... certamente a
criança do quarto ao lado, daquele em que nasci e tivesse nascido comigo, terá aversão
à matemática e repugnância ao peixe. Uma conjugação tão incomum que fico com a
certeza de ter nascido a solista.
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O que não percebo é por que a leitura varia se for rapaz ou
rapariga... isso não devia já vir escrito no manual de instruções? Bem, sou
Capricórnio... do segundo decanato – mesmo lá no meio para não haver erros de
avaliação derivados da proximidade dos signos anterior e posterior – com o
regente em Capricórnio e o ascendente indeciso entre o Capricórnio e Aquário...
embora a generalidade dos cientistas zodiacais diga que é Capricórnio.
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Bem, se há coisa que não sou é indeciso. Parece-me que
alguém me disse que os aquarianos são indecisos... já basta saber do meu...
como escrevi antes, a generalidade dos leitores diz que tenho o ascendente em Capricórnio.
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Já que referi planeta regente, tenho que revelar que é
Saturno. Bom! Sou uma pessoa deprimida – doente crónico, embora não pareça – a medicação
faz milagres. Mas daí a ser soturno. Pois, soturno deriva de Saturno, que é o deus
equivalente a Cronos, na mitologia grega.
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Como em quase tudo, os romanos – povo bastante supersticioso
– aproveitaram o que de melhor reconheciam nos povos estrangeiros, nos bárbaros.
Não sei que nome se dava a Saturno na Babilónia, mas o vocábulo é latino.
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Pois, eu, ser lúgubre e medonho, tenho por padrinho um deus sombrio
e escorraçado por Júpiter. No mundo dos deuses há o patrono da medicina, não
sei qual é a especialidade... sendo um deus pode tanto ser psiquiatra como
cirurgião plástico... aquelas maminhas de Vénus... Hummmm!... silicone?! Bom,
deve haver anti-depressivos e ansiolíticos na morada dos deuses.
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Acontece que o deus da medicina é Esculápio, o tal que os
cientistas dos signos baniram do firmamento adivinhatório. Devia ser companheiro
de arruaças de Saturno, que foi expulso, mas por Júpiter – vai na volta até foi
o deus dos deuses quem ordenou o silenciamento de Esculápio.
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A Lua de Saturno é sanguinária... evocada nos jogos de
sangue das arenas romanas. Gosto de carne de vaca mal passada. Ah! Tenho a Lua
no signo... blá, blá, blá, blá, blá.
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Pois, mas a história de Saturno não é bem igual à de
Cronos... fico mais descansado... ufa! Ainda bem que se pode escolher.
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Mas tanto os gregos como os romanos afirmavam que Cronos-Saturno
comia os seus filhos. Ainda bem que não fui pai.
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Há algo positivo: Saturno é um deus de abastança e está ligado
à agricultura... escrevo sobre agricultura!... Por isso, qualquer capricorniano
pode fazer fortuna na lavoura – na pecuária é melhor não. Não sei se plante uma
hortinha – hortinha como substantivo – de salsa ou se mil hectares de aveia.
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Já cumpri o meu dever cívico e vou pôr-me a ler o «Livro da
ensinança de bem cavalgar toda a sela», escrito (incompleto) pelo nosso senhor
Rei Dom Duarte, que era do signo Mula.
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Como o mundo e a vida seriam tão mais fáceis se as patranhas
zodiacais fossem verdadeiras.
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