digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, agosto 12, 2014

Curso rápido de Astrologia

Nasci faltavam cinco minutos para as nove da manhã. Por isso chego sempre antes da hora. Se sou moreno é porque nesse dia se verificou a temperatura mais baixa em Quetta, no Paquistão. O mercúrio do termómetro baixou além dos dezoito negativos – assim fui aclarado como um escandinavo, pelo que tenho fisionomia mediterrânica.
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Comecei a acreditar em signos do zodíaco quando percebi que todas as previsões saem erradas. Concordo, sou do contra e quase tudo dá errado na minha vida. Até quando um reputado astrólogo me consultou e garantiu que a primeira década do novo milénio seria a melhor da minha vida, para mais tendo entrado nos trinta. Foi o pior período da minha vida! Lá estou eu a contradizer.
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Há gente – tanta – que afirma que o meu ascendente é Capricórnio e que tal e tal e tal batem certo com a personalidade. Sei que não bate nada. Espírito de contrariedade dos capricornianos, salientam.
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Há gente – tanta – que afirma que o meu ascendente é Aquário e que tal e tal e tal batem certo com a personalidade. Sei que não bate nada. Espírito de contrariedade dos capricornianos.
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O céu – o Céu – é um campo de estrelas, compostela, como o Caminho para Santiago – e de lá podem os magos tirar o que quiserem e meter na nossa cesta. Claro, que não podemos – o destino escreve-se nos astros.
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E ainda bem que não podemos tirar de lá nada e podia ceder à tentação. Não gosto de tirar nada a ninguém e juro que tudo o que de astral carrego foi porque me deram. Às vezes à força por quem sabe de signos. Espírito de contrariedade dos capricornianos, salientam.
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O que não percebo é como uma estrela a quatro anos-luz pode explicar a minha aversão à matemática ou intolerância ao peixe, falta de jeito e prazer no desporto e talento para a natação, especialmente no crawl.
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O que não percebo é como o achamento dum planeta – planeta-anão, diz-se assim agora – exercer qualquer coisa que antes de ser encontrado não exercia, o Plutão. Se calhar, uma vez que foi despromovido já ninguém lhe dê importância nos mapas.
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O que não percebo é por que aquela estrela, tão visível que fica importante, é um conjunto... até já lhe ouvi chamarem enxame... ou confundo e baralho: há um grupo de duas, de quatro e o tal enxame. Muda alguma coisa? Não. Ao contrário de Plutão.
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O que não percebo é como estrelas, que formam um «ser» no espaço e regem a nossa vida, podem estar mais distantes umas das outras do que outras, apenas afastadas se olharmos para o céu como uma superfície lisa. Penso que se designa por erro de paralaxe, mas o mais provável é eu ser do contra.
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O que não percebo é por que há treze signos no zodíaco – no cinturão de estrelas que «rodeia» a Terra no equador – e apenas doze são contabilizados. Diria que é porque o doze tem magia... divide-se por dois, por três, por quatro e por seis – afinal sou barra em matemática. E doze são os meses do ano. Além de que o três e o quatro também têm significados de transcendência.
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Magia?! Ciência! Ciência milenar, garantem-me, mas não acredito porque sou Capricórnio e na minha essência floresce o espírito da contradição.
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O que não percebo é como uma ciência tão exacta é tão diferente de civilização para civilização. Se o fenómeno é universal, a explicação e a descoberta deveria ser igualmente total. Pronto, já sei... o espírito de Capricórnio.
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O que não percebo é por que têm os signos cerca de trinta dias, quando no zodíaco verdadeiro – aquele que não é mais do que figuras imaginadas no céu – as constelações têm uma amplitude de dias de vidas, entre os sete de Escorpião e os quarenta e cinco de Virgem.
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O signo expulso tem vários nomes e a sua simples consideração na «matemática» adivinhatória baralha tudo, e só o de Peixes fica quietinho... peixe quietos só mortos. Aliás, deve ter sido pelo seu carácter arruaceiro que Esculápio (Serpentário... ) foi banido.
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O que não percebo é por que a «localização» das estrelas no céu é mutante, com grandes afastamentos ao longo dos séculos – a Terra move-se, o Sol move-se, as estrelas movem-se e a galáxia move-se – e os especialistas mantém-se a ler um céu de há três mil e duzentos anos.
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Não tivesse eu a malvadez de contrariar... certamente a criança do quarto ao lado, daquele em que nasci e tivesse nascido comigo, terá aversão à matemática e repugnância ao peixe. Uma conjugação tão incomum que fico com a certeza de ter nascido a solista.
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O que não percebo é por que a leitura varia se for rapaz ou rapariga... isso não devia já vir escrito no manual de instruções? Bem, sou Capricórnio... do segundo decanato – mesmo lá no meio para não haver erros de avaliação derivados da proximidade dos signos anterior e posterior – com o regente em Capricórnio e o ascendente indeciso entre o Capricórnio e Aquário... embora a generalidade dos cientistas zodiacais diga que é Capricórnio.
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Bem, se há coisa que não sou é indeciso. Parece-me que alguém me disse que os aquarianos são indecisos... já basta saber do meu... como escrevi antes, a generalidade dos leitores diz que tenho o ascendente em Capricórnio.
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Já que referi planeta regente, tenho que revelar que é Saturno. Bom! Sou uma pessoa deprimida – doente crónico, embora não pareça – a medicação faz milagres. Mas daí a ser soturno. Pois, soturno deriva de Saturno, que é o deus equivalente a Cronos, na mitologia grega.
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Como em quase tudo, os romanos – povo bastante supersticioso – aproveitaram o que de melhor reconheciam nos povos estrangeiros, nos bárbaros. Não sei que nome se dava a Saturno na Babilónia, mas o vocábulo é latino.
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Pois, eu, ser lúgubre e medonho, tenho por padrinho um deus sombrio e escorraçado por Júpiter. No mundo dos deuses há o patrono da medicina, não sei qual é a especialidade... sendo um deus pode tanto ser psiquiatra como cirurgião plástico... aquelas maminhas de Vénus... Hummmm!... silicone?! Bom, deve haver anti-depressivos e ansiolíticos na morada dos deuses.
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Acontece que o deus da medicina é Esculápio, o tal que os cientistas dos signos baniram do firmamento adivinhatório. Devia ser companheiro de arruaças de Saturno, que foi expulso, mas por Júpiter – vai na volta até foi o deus dos deuses quem ordenou o silenciamento de Esculápio.
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A Lua de Saturno é sanguinária... evocada nos jogos de sangue das arenas romanas. Gosto de carne de vaca mal passada. Ah! Tenho a Lua no signo... blá, blá, blá, blá, blá.
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Pois, mas a história de Saturno não é bem igual à de Cronos... fico mais descansado... ufa! Ainda bem que se pode escolher.
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Mas tanto os gregos como os romanos afirmavam que Cronos-Saturno comia os seus filhos. Ainda bem que não fui pai.
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Há algo positivo: Saturno é um deus de abastança e está ligado à agricultura... escrevo sobre agricultura!... Por isso, qualquer capricorniano pode fazer fortuna na lavoura – na pecuária é melhor não. Não sei se plante uma hortinha – hortinha como substantivo – de salsa ou se mil hectares de aveia.
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Já cumpri o meu dever cívico e vou pôr-me a ler o «Livro da ensinança de bem cavalgar toda a sela», escrito (incompleto) pelo nosso senhor Rei Dom Duarte, que era do signo Mula.
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Como o mundo e a vida seriam tão mais fáceis se as patranhas zodiacais fossem verdadeiras.

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