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Nasci há dezasseis mil e trezentos e sete dias, talvez
metade de agonia e morte que me secou as lágrimas de água, que dentro correm
rios.
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Ninguém me roubou anos nem meses nem dias. Fui despejando
sem semear. Matando, ferindo e fenecendo, terra queimada por culpas minhas. Os
dias partidos sem demérito foram poucos.
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Procurei baraços fortes e ásperos, um tronco longitudinal e
um banco que lhe chegasse. Cheguei atrasado e perdi comboios. Tentei curar-me
duma só vez e de todas as vezes continuei doente. Quis ver de perto o chão
aproximar-se a velocidade uniformemente acelerada.
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Falhanços por mim somados aos dias falhados que a vida me
guardou.
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Sem coragem para ir. Sem coragem para ficar. Tantas as
cartas escritas. Amareleceram e rasgaram-se moídas de esperar dentro da
carteira.
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A minha mãe não tem força para me segurar a mão escorregadia
sobre o abismo. As gatas que quis sempre juntas, sem mo pedirem, não
permitiram. Os olhos doces de menino acalmaram-me. Cedo volta a derrota.
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Perdido na estrada que me indicaram, sem vontade de dela
sair. Perdido na estrada que escolhi, sem vontade de dela sair. Perdido na
estrada para onde me enxotaram, donde saí esfolado.
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O destino é como Roma. Se o fazemos, quando o tomo nas mãos
deixo-o cair e parto-o. Se me sento para pensar, penso em desistir. Exangue,
queimo a cabeça ao Sol, encharco o corpo na chuva, suo e tirito.
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Decida o que decidir, irei sempre a cair e a esfolar-me. Nem
a gadanha me ceifa nem um anjo me abraça.
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Se tivesse coragem para ter amor-próprio não haveria
dezasseis mil trezentos e oito dias, que encorpam tantos anos mortos*.
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E.
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Nota: *a expressão «anos mortos» foi roubada a Boris Vian,
no poema da música «Le deserteur».
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