Entrei no táxi e pedi que me levasse onde quisesse, avançou
dez metros e parou e não me cobrou nada.
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Entrei num carro ao acaso e pedi que me levasse onde
quisesse, com o olhar dum perseguido e a voz calma dum espião e ela levou-me a
ver o mar.
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Tomámos um chá e falou-me da vida. Daquelas coisas que não
têm importância nenhuma e geralmente são um lamento e contudo não foi tédio,
pensei noutras coisas também sem importância.
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Fomos e pedi-lhe que parasse junto àquele restaurante de
luxo e onde o pescado sacia os valentes e os príncipes.
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Pedi uma omeleta de cogumelos. Não tinham.
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Ela deliciou-se e empanturrei-me com amêijoas à Bulhão Pato,
bebemos um rosé famoso.
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Chamei o empregado e disse-lhe que não iria pagar e ela
corou envergonhada.
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Perguntaram-me por que não pagaria e não soube responder.
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Só depois me lembrei que o mar é de todos e o ar também. Disse:
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– Os homens primitivos comiam o marisco que queriam e não
pagavam.
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Chamou o gerente, o director e o dono que falaram calmamente
e à vez muito discretamente.
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Acho que devem ter usado argumentos da História Universal
enquanto olhava para dentro à procura de qualquer coisa íntima que só se podem
contar aos desconhecidos de ocasião breve na paragem do autocarro ou num café
desabitual longe do habitat.
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Não disse nada. Sentei-me e pedi mais uma dose de amêijoas à
Bulhão Pato.
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Serviram-me e a ela estenderam Champanhe bestial e caviar
beluga e salamaleques.
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Disse-lhes:
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– Assim, sim...
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Disse-me o senhor como me reconhecesse dos filmes
americanos:
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– Se é para levar
calote, que seja calote em grande. A restaurante de nomeada fica mal uma dívida
por um prego e imperial.
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No final levantei-me e esperei-a.
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Dei uma gorjeta de dez euros em moedas.
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Disse-me ela:
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– Você é incrível! O que você fez... é impressionante!...
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Expliquei-lhe monotonamente com uma só palavra:
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– Não.
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Olhou para mim como se esperasse um beijo de comédia
romântica.
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Sorri e com os olhos molhados das despedidas sentidas e disse:
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– Se não se importa, agora vou a pé.
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Cheguei a casa pela fresquinha, quando a luz de Junho manda
os pássaros cantar quando o céu azul combina com amarelo suave.
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Não sei quantas horas mas as calças comeram-se até ao buraco
pelo roçar das coxas grossas.
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Deitei-me e quando me levantei deitei-me.
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Não sei se acordei.
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Não me lembro da cara dela nem sei a cor do carro.
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Ainda bem que não trocámos números de telefone.
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Não conhecerei os seus amigos, os pais, os amigos dos
amigos, a família, o cão, o gato e os canários nem a beijarei.
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Amanhã vou à Estação de Santa Apolónia e apanho um comboio
para Coimbra A, durmo no Astória, pago e saio anónimo.
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Não me vou lembrar da paisagem pela janela nem dos outros
gordos da primeira classe nem das executivas mornas sem sabor e só lamento o
transbordo em Coimbra B que, tal como Campanhã, é um atentado à Europa pela
fealdade e chão encardido por mil anos de sujidade lavada a lixívia e gente
feia e trabalhadora que diz palavrões.
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Virei a dormir sonhando que não gosto de ficar longe de
casa.
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Apanharei um táxi que me deixará à porta de casa e farei o
que faço melhor: dormir.
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Ao invés do que faço pior que é existir.
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Existir é uma maçada e um tédio e eu tão simples contento-me
com preguiça.
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