Um dia, pode ser um qualquer, mas dá-me jeito que seja
ontem. Das alegrias e couberam os anteontens. Hoje, pela manhã, ou talvez ainda
ontem, houve alegrias, pelo menos esperanças.
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Acreditei e foram morrendo luzes. Nos pensamentos infantis não
se morre, ou longe e velhinho, num sítio. Com mais de idade duvidei que
existisse além de mim. Não por ego, mas de infantil dúvida: o que sentimos e compreendemos existe ou é
apenas algo que brota de dentro e faz as partes?
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Com a inerente soberba, ganância de vida e arrogância fiz-me
homem. Acreditando em tudo, jurei que quase nada, com inteligência com visão de
lince. Vi morrer insignificâncias, cego quanto a mim.
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E morrendo não entendi que esvaziava-me. Percebendo-me
poucochinho. Perdendo e orando a Deus, que é de lógica como de bondade, dizendo
vazios.
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Ainda sem perceber, ofuscado pela luz da infância, acreditei
nos amores. Cada um, suas chagas, uma morte e a descoberta de insignificâncias.
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Infantil, bati-me como se fosse a última luta... ter uma
importância. Podia ser pequenina. Podia até ser a insignificância mais insignificante.
Mas sou mais insignificante do que alguém.
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Ah, sim! Os outros existem. Não me apetece que não existam. Sem
eles, como posso justificar a dor negra.
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Não me matam e ressuscito. Implacável como a impotência. Triste
numa solidão de chuva. Patético um palhaço viúvo, tigre emocional, incapaz de
esquecer.
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Peço a Deus que me desexista. Não quero viver depois de
morto. Nem vivo-morto. Nem ser objecto de tempo.
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Devia haver uma cicuta que destruísse ou uma estricnina que
anulasse, do antes e do depois da carne, do antes e do depois do espírito.
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Os números dizem tudo na sua frieza. Que pena não terem alma
para se arrependerem. Disto tudo quanto sobra?
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Não percebo de contas e asneio nos afectos. Gostava que Deus
me desfizesse. E tanto me faz que fique memória ou sombra.
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Vida de sonhos tristes. Dias que passam por passar. Dias que
se contam até à libertação, duma pena sem cúmulo conhecido.
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Amigos que foram, que se foram. Amigos que nos esquecemos. Amigos
de lábios. Relógios parados e estilhaços-facas de espelho, cinzentos e baços,
onde o pó não deixa alcançar o tecto de memórias.
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Amigos que se mataram. Amigos que mataram-me com tempo e
quase duma vez só. Amigos dos sonoros silêncios, surdos de dor.
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Tivesse agora a coragem que já tive...e não tivesse um que
me agarrasse na queda, nem outro que me fez o mesmo. Tivesse agora a coragem
que já tive... não fossem as gatas... não fosse o coiso.
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Tivesse agora a arrogância juvenil e o cinismo dos
inexperientes. Se pensasse menos.
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Mais um na estatística. Não se escapa da estatística. Quando
não se está do lado de lá, é porque se está noutro lugar de números.
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Se... se... se... se... se... se... se...coragem para um
salto, esforço para um empurrão uma goela para passar uísqui. Se...
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Apontar o revólver à têmpora e não marcar qualquer número. Não
ligar, ser o super-herói inaudível aos inaudíveis e invisíveis.
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Só com sonhos de miséria e os mesmos dias de merda com
sorrisos.
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Tenho a certeza. Habito um corpo vivo que está morto, e os
olhos contemplam as mortes inalcansáveis.
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Um suicídio possível, como um parto sem dor. Ainda a dor dos
aflitos.
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