Um jardim de sombras com ventos, baixos para não
interromperem a respiração. Água tépida cainte, fruta de cheiro e enclaves de
terra no corpo.
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Desnuda? Embrulhada no lençol da noite de insónia de amor,
com a respiração suspirada pela gratidão e o arrependimento. Por sorte não há
cigarros. Por azar fazem falta ao pensamento.
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A árvore é uma oliveira e a sombra prolonga-se e vive um
tempo que não se mede, por imprecisão, por não precisão. Mexe-se, quando? Não se
sente, o tempo revela-a e não importa.
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O lençol não aquece e a caneca de café aguado solta vapores exaustos.
Os corpos refugiados nos pudores, envergonhados pelo prazer, ainda quentes
tremem de frio e querenças.
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Insónia de amor, sem juras. O plano é ter tempo. A
estratégia de avançar. Táctica de beijo sem recuo. Invasão antes do convite, e rodopiar
de yin e yang... tudo no mesmo patamar de julgamento.
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O universo chega para todos e é numa planície agitada que se
morre em glória e esforço. Nunca se terá o fim e há caminhos para se ir
perdendo indo. Ela incendiada e encharcada, ele sangrado e sufocando-se de
alegria. Ainda assim abraçam-se. Ainda assim repelem-se.
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Rastejante, no frio húmido da terra... não se percebe onde
acaba a natureza e começa o homem. O que é pensado e agido ou o que é agido por
vontade de escrito iniciático.
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Porque a natureza é
natureza e a natureza do homem é a natureza do homem. A natureza do homem é
desrespeitar a natureza e assim a realiza respeitosamente. Amén. Nunca basta. E
sempre. Aleluia.
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Não há quem ensine a loucura a ser branda. Não há moral que
derrube o desejo, nem desejo que não se castre. Pior do que o remorso é o
remorso de não ter feito. Pior, só se sabido.
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Manhã fresca que pede maçãs, lençóis espojados que desejam
cama, corpos ardentes, ardidos, perdidos por chamas. As palavras não servem nem
promessa válida.
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O que acontece na casa do jardim das sombras não é soprado
pelos ventos e desfaz-se, sem ilusão, com o pragmatismo belo do que é simples e
verdadeiro.
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O que foi dele marca o branco e o suor dela perfuma a manhã,
tenha maçãs ou cigarros, pólen, plasma, orvalho, formigas ou calor.
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Encostada à oliveira, desvestida num lençol, aos pés, exausto,
possuído pelo prazer, um fauno-poeta olha-a como se ele fosse o Demónio.
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Arrependimento? Não haverá tempo para isso. O silêncio fecha
as bocas e o vento baixinho, junto ao chão, encalha nas raízes e arbustos.
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Pã encobre Príapo. Ela, de raminho de oliveira, distrai-se
com o verde-pardo das folhas compridas. Evitando dizer, deseja calando, e vendo
fora do mundo permite a chegada dos lábios, que lhe contarão o que já sabe, o
que os corpos querem.
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Moral e nudez? É quase dia, ainda sem Sol erguido...
fresquinho até fora das sombras ténues do jardim de semi-silêncios. Olhos que
vêem... corações que sentem... pressentem?
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Mais perigoso é o sono, que pode proibir o que a alma, o
coração e a cabeça querem. Daí a nada é outro dia e o Deus tem-nos noutros
lugares.
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O mundo só parou por instantes, em alguns sítios. Pára tão
certo à noite como no pino da luz.
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Que se recomece o cansaço, para que a força renasça do lume
da exaustão e as vozes cantem.
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Não há calma que segure, quando os olhos encalham na pele
que se revela por distracção ou veneno.
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Não há tempo quando os seios deslizam para o espaço. A distância
encurta-se entre bocas. E a pele alimenta-se de pele.
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O que importa não é estar dentro, é entrar sem pedir, quando
o pedido é pedido sem dizer.
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Mais bonito do que entrar é o gesto. Maior tremor, o
primeiro toque, no lugar do corpo onde a alma se refugia.
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Qualquer dia, numa semana qualquer.
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E dito e feito, soprado por caninhas, ninguém ouvirá se
delas fizerem flautas.
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A Terra é redonda, mesmo quando é lisa como uma cama.
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