digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

Jardim de amores calados

Um jardim de sombras com ventos, baixos para não interromperem a respiração. Água tépida cainte, fruta de cheiro e enclaves de terra no corpo.
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Desnuda? Embrulhada no lençol da noite de insónia de amor, com a respiração suspirada pela gratidão e o arrependimento. Por sorte não há cigarros. Por azar fazem falta ao pensamento.
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A árvore é uma oliveira e a sombra prolonga-se e vive um tempo que não se mede, por imprecisão, por não precisão. Mexe-se, quando? Não se sente, o tempo revela-a e não importa.
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O lençol não aquece e a caneca de café aguado solta vapores exaustos. Os corpos refugiados nos pudores, envergonhados pelo prazer, ainda quentes tremem de frio e querenças.
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Insónia de amor, sem juras. O plano é ter tempo. A estratégia de avançar. Táctica de beijo sem recuo. Invasão antes do convite, e rodopiar de yin e yang... tudo no mesmo patamar de julgamento.
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O universo chega para todos e é numa planície agitada que se morre em glória e esforço. Nunca se terá o fim e há caminhos para se ir perdendo indo. Ela incendiada e encharcada, ele sangrado e sufocando-se de alegria. Ainda assim abraçam-se. Ainda assim repelem-se.
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Rastejante, no frio húmido da terra... não se percebe onde acaba a natureza e começa o homem. O que é pensado e agido ou o que é agido por vontade de escrito iniciático.
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Porque  a natureza é natureza e a natureza do homem é a natureza do homem. A natureza do homem é desrespeitar a natureza e assim a realiza respeitosamente. Amén. Nunca basta. E sempre. Aleluia.
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Não há quem ensine a loucura a ser branda. Não há moral que derrube o desejo, nem desejo que não se castre. Pior do que o remorso é o remorso de não ter feito. Pior, só se sabido.
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Manhã fresca que pede maçãs, lençóis espojados que desejam cama, corpos ardentes, ardidos, perdidos por chamas. As palavras não servem nem promessa válida.
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O que acontece na casa do jardim das sombras não é soprado pelos ventos e desfaz-se, sem ilusão, com o pragmatismo belo do que é simples e verdadeiro.
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O que foi dele marca o branco e o suor dela perfuma a manhã, tenha maçãs ou cigarros, pólen, plasma, orvalho, formigas ou calor.
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Encostada à oliveira, desvestida num lençol, aos pés, exausto, possuído pelo prazer, um fauno-poeta olha-a como se ele fosse o Demónio.
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Arrependimento? Não haverá tempo para isso. O silêncio fecha as bocas e o vento baixinho, junto ao chão, encalha nas raízes e arbustos.
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Pã encobre Príapo. Ela, de raminho de oliveira, distrai-se com o verde-pardo das folhas compridas. Evitando dizer, deseja calando, e vendo fora do mundo permite a chegada dos lábios, que lhe contarão o que já sabe, o que os corpos querem.
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Moral e nudez? É quase dia, ainda sem Sol erguido... fresquinho até fora das sombras ténues do jardim de semi-silêncios. Olhos que vêem... corações que sentem... pressentem?
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Mais perigoso é o sono, que pode proibir o que a alma, o coração e a cabeça querem. Daí a nada é outro dia e o Deus tem-nos noutros lugares.
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O mundo só parou por instantes, em alguns sítios. Pára tão certo à noite como no pino da luz.
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Que se recomece o cansaço, para que a força renasça do lume da exaustão e as vozes cantem.
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Não há calma que segure, quando os olhos encalham na pele que se revela por distracção ou veneno.
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Não há tempo quando os seios deslizam para o espaço. A distância encurta-se entre bocas. E a pele alimenta-se de pele.
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O que importa não é estar dentro, é entrar sem pedir, quando o pedido é pedido sem dizer.
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Mais bonito do que entrar é o gesto. Maior tremor, o primeiro toque, no lugar do corpo onde a alma se refugia.
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Qualquer dia, numa semana qualquer.
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E dito e feito, soprado por caninhas, ninguém ouvirá se delas fizerem flautas.
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A Terra é redonda, mesmo quando é lisa como uma cama.

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