Se não foi o primeiro, terá sido o segundo restaurante
brasileiro em Lisboa. A minha estreia foi noutro. Mas neste, o do Príncipe
Real, que me recebeu barrigadamente. Do outro tenho memórias de sangue; deste,
memória de leveza na vida.
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O Comida de Santo abriu as portas em 1981... tinha 11 anos e
Lisboa estava a modernizar-se. Os bigodes rapavam-se, as calças à boca-de-sino
tornaram-se roupa para fazer esfregões... os brados da revolução democrática já
não pesavam tanto na vida e na música.
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Mil novecentos e oitenta e um mexeram-se com os Heróis do
Mar, a primeira banca com estética na roupa, fardas de músico, evocação
nacionalista, que irritou a malta mais à esquerda, que lhes chamava fascista.
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Mil novecentos e oitenta e um, um agitador de visual fora-de-tudo
arrasou a televisão, num programa para toda a família, em que Júlio Isidro
juntava o que hoje é inconciliável. De macacão amarelo, com bolas as nódoas de
tinta, barba farta, cabelo oxigenado, uma força tremenda...
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Mil novecentos e noventa e um quase ninguém tinha televisão
a cores António Variações... desde 1978 que andava a cantar e ninguém lhe
ligava. Nem os Heróis do Mar, quando estes fizeram um casting para vocalista.
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Mil novecentos e oitenta e um era tudo novo, não era só eu. Saía-se
do país com mais facilidade, descobria-se a Europa, vinha roupa de marca e de
formatos diferentes. A Guerra Fria estava no auge e havia algum medo.~
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Mil novecentos e oitenta e um e não existia o bar Frágil no
Bairro Alto. Aqueles quarteirões tinham tabernas, tascos, putas e dancings,
tinham jornais e jornalistas... Um ano depois surgiu um dos mais icónicos bares
(dançantes) da capital.
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Quem ia à frente, ia ao Frágil. Era gay friendly, numa época
em que muito pouco dava direito a ser chamado de maricas e paneleiros. Ali
havia outra música e pensamentos novos.
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Mil novecentos e oitenta e um e a móvida (movida, em
espanhol) de Madrid estava no auge, farol de toda a Europa, excepto Londres. Com
Espanha já ao lado... artistas, jornalistas, comerciantes de arte... romperam
Lisboa.
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Todos os anos, Manuel Reis, Rei do Frágil e desde 1998 Rei
do Lux, mudava o cenário das duas salas onde se dançava e conversava. Gente gira,
gente diferente, onde se podia ser tudo. E eu na escola a ouvir Heróis do Mar.
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Em Madrid, a lua da móvida estava cheia e em Lisboa em
quarto crescente. Misturava-se gente, conceitos, as novas tendências
juntavam-se mais do que se afastavam... e eu entrei no Lux com o meu pai, não
sei bem porquê, em 1982... talvez.
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Nessa onda de novidade, quando a casa se arrumava e
redecorava, quando havia tanto cotão para limpar que surgiu, também na comida,
uma estrelinha: o Comida de Santo. No Príncipe Real, na Calçada Engenheiro
Miguel Pais, concretamente no número 39.
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Eu, com 11 anos, comia na cantina da escola. Quando me deram
liberdade para sair sozinho à noite, em 1986, tinha 16 anos, pouco dinheiro
guardava para jantares. Não sei quando entrei pela primeira vez na Comida de
Santo, mas deve ter sido por volta de 1990, quando já trabalhava, no novíssimo
Diário Económico, e não tinha de cravar os pais... ganhava 450 euros (em
formato actual, tradução literal). Na altura dava para pouco e agora tem de
sobrar.
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Que exotismo aquela comida... às vezes próxima e outras
distante. Comida da Baía, trazida, e sem tradução, por António Pinto Coelho. Com
o oceano pelo meio, a mesa põe-se sempre à moda da terra das negras gordas, que
rodam as ancas, com enfeites nos cabelos e alegres e cheios peitos guardados em
vestidos coloridos.
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Para mim... era tudo novo... ter dinheiro mesmo meu, comer
fora sem paizinhos, namoradas, o glamour da noite (vestíamo-nos para sair,
perfumávamo-nos, sorriamos muito bem encantados, pela e para a sedução), o
cosmopolitismo pequenino alegrava tanto... e eu não sabia nada da Baía, nem via
telenovelas.
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Sei, que é autêntico o sítio. Só a honestidade da mesa faz
com que uma casa se aguente. Imagino que pela cozinha da Comida de Santo tenham
passado muitos artesãos, enquadrados por Pinto Coelho.
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Dois mil e catorze cabe tanta coisa em Lisboa e, ou estou
velho, que a novidade fica de fora. O que é bom, o colo da mãe, o colo da mesa
que se aprendeu a gostar, nunca parte – haja saúde e alegria.
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Houve uma época em que ia com frequência ao Comida de
Santo... não deixei lá dinheiro para comprar Pinto Coelho comprar um Porsche,
mas as caipirinhas (ui, que boas) impediram-me de pegar num volante.
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Marisco, peixe, carne, fruta... tudo à moda da Baía. Até
vinho brasileiro (da portuguesa Dão Sul)... fui sempre feliz ali. E agora que
conheci Pinto Coelho leio uma paixão, sábia de deixar falar e ouvir.
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Quando há quem diga que tem «o melhor bolo de chocolate do
mundo»... ah! O pagode!... Pinto Coelho diz, rindo-se, mas com trunfos na
manga, de brasileiros profissionais da crítica, ter o melhor quindim do mundo. Afirma-o
aos amigos e aos comensais... e talvez seja verdade.
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Local: Calçada Engenheiro Miguel Pais, 39 (Príncipe Real –
Lisboa)
Telefone: 21 396 33 39
Aberto: De quarta-feira a segunda-feira
Horário: 12h30 às 15h30 e das 19h30 à 1h00.
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