Queridas Flores, lembrei-me de vos escrever para, através
das cartas, que é só uma, conhecerem a mais exótica Flor. Sem maldade nem ingenuidade. Podia
tê-lo feito antes, mas não me lembrei. O Natal aproxima-se e talvez a Lua na
quinta casa dum signo me tenha criado a necessidade.
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Não podia esperar. Pensei deixar tudo para amanhã, mas tinha
de ser agora; passa das quatro da madrugada e o assunto desarrumou-me a alma, e
uma alma desarrumada não dá descanso ao corpo.
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Ocorreu-me que o Natal não tarda. É quase Natal, uma data
solene, profunda e complexa, e íntima, e a nossa intimidade morreu, e a que
temos é tão nossa que está incerta, como um relógio avariado e coberto de pó.
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Começo por ti, Flor Amarela, a primeira que desabrochou.
Vesti a camisola de erva e servindo, olhando-me, não me vi nela. Não me
pertence e nada farei para ta entregar. Não a deitarei fora, por respeito à
dignidade duma peça em perfeito uso. Não a darei, porque não é minha. Desde 2006
que estava por vestir, talvez por causa destas razões, mas de forma
inconsciente. Ainda bem que a usei. Agora vai para lavar para ser arrumada e aí
ficar até qualquer coisa.
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Percebi que tinha de te escrever porque te quero contar a tua
diferença face à Acima-de-Lírio, já que o lírio parece-me ser a mais nobre das flores; não é fatal como a rosa, nem singela como a margarida, nem fidalga como a tulipa nem pirosa como a orquídea, é simples como uma rainha. Não perdeste nem perdi. Hoje, por estes dias,
sei que nem perdemos os dois num conjunto. Só perdemos tempo.
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Querias o que queria e dizias o que não querias, acreditando
que era isso que querias. Compreendo que a minha incompreensão conduziu ao
extremar dos dias do temperamento, aos dias e noites em que dois comboios numa
mecha embatiam frontalmente. Não te culpo nem me culpo nem nos absolvo, porque, não me interessa. Todavia sem rancor ou mágoa.
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Ao contrário, a Flor de Luz quer o que quero e di-lo. Tão simples.
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Quanto a ti, Flor Vermelha, a situação é muito mais
complexa. Houve momentos bons, razão da longevidade dos beijos.
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Mas foram anos de sobressaltos. Injustos, sei. As feridas a arder. Queimou-se o amor e
vivemos com as queimaduras. Estão cá, e nem me lembro. Tenho-te sincera
amizade, e chega.
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Ao contrário, a Flor de Luz dá-me tranquilidade. Cada beijo
é aconchego. Só isso já me bastava.
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Minha querida Flor Verde, não querendo ser cruel, foste irrelevante. O quase que falta pertence à P.
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A Flor de Luz dá-me... tanto e ainda o Mais.
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Simpática Flor Azul, ninguém te tirará teres sido a
primeira. E mais não há para dizer sobre esse século, além dum grande amor e do
primeiro desgosto. Enganei-me, mas acreditei que foi bom. Amiga distante, mas
amiga.
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Já a Flor de Luz dá-me o que nunca soubeste dar: sentimento
de amor.
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Doce Flor Lilás, talvez a segunda Flor que mais adore. E tu tão quente que me queimavas a cada abraço, carta ou palavra, sem mal. Tantas vezes canalha, que digo, para me absolver, que foi
a adolescência. Quero-te tanto e também ao M. Há uma amizade que os quilómetros não
deixam.
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Por seu turno, a Flor de Luz tem uma leveza que respira.
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A Flor de Luz é mais do que isto. E jamais será mais do que
a soma de todos os istos. As pessoas não se amontoam nos sentimentos e
memórias, quando têm, porque terão sempre, uma gravura guardada algures numa
cavidade do coração.
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O que é, digo-lhe. E tudo não sei. Quero toda a vida para
saber e poder recordar enquanto souber amar e for deixado viver.
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Dos olhos nasceu a luz. A Flor de Luz.
1 comentário:
Ora, finalmente, já não te queixas do calor!
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