digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Sob a sombra

Disseram que Zanskar é uma terra maravilhosa e distante. Disseram-me como se fosse uma terra de literatura, de literatura oral. Disseram-me que só foi descoberta, para além dos antepassados de quem lá está, em meados do século vinte.
.
Disseram-me, é certo que sou crente. Tanto faz. Fica longe e é terra de mitos. Lá chegaram poucos, porque são poucos os que lá vão.
.
Agradam-me as terras impossíveis, os territórios invisíveis nos mapas, os reinos de pouca gente. Sou sedentário e com os pés cansados. Não irei a Zanskar.
.
Aqui tenho Sol e não me obrigam a andar. Basta-me uma imperial fresca e uns amendoins ou pevides de abóbora. Basta-me a chuva e um cálice de vinho, quente cá dentro.
.
Basta-me o chão e os olhos bastam-se no pavimento. Sossegam-se na monotonia dum cão a passar e alegram-se fantasiando coisas obscenas quando passa uma bela rapariga.
.
Olho e vejo árvores. A cerveja desfoca além da linha dos pés, quando as pernas estão esticadas. A sombra seduz-me, cruzada com a música inquietante de ébria. Os tremoços acabam por enfastiar, no Verão comem-se caracóis, mas gosto mais de amêijoas à Bulhão Pato, das verdadeiras.
.
O dia roda e as sombras esticam-se, pardam-se, intensam-se. O que fica entre a sombra e o chão. Enigma de física, religião ou filosofia? Poesia de se esquecer. Vinho.
.
Sob a sombra há um espaço ínfimo-infinito. Uma terra de anões microscópicos, que colhem floras específicas da penumbra. Esse mundo acaba quando o lusco-fusco se apaga e renasce sossegado no primeiro bocejo da manhã.
.
Sob a sombra, um reino ínfimo-infinito. Zanskar, por que não?

Sem comentários: