Disseram que Zanskar é uma terra maravilhosa e distante. Disseram-me
como se fosse uma terra de literatura, de literatura oral. Disseram-me que só
foi descoberta, para além dos antepassados de quem lá está, em meados do século
vinte.
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Disseram-me, é certo que sou crente. Tanto faz. Fica longe e
é terra de mitos. Lá chegaram poucos, porque são poucos os que lá vão.
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Agradam-me as terras impossíveis, os territórios invisíveis
nos mapas, os reinos de pouca gente. Sou sedentário e com os pés cansados. Não irei
a Zanskar.
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Aqui tenho Sol e não me obrigam a andar. Basta-me uma
imperial fresca e uns amendoins ou pevides de abóbora. Basta-me a chuva e um
cálice de vinho, quente cá dentro.
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Basta-me o chão e os olhos bastam-se no pavimento. Sossegam-se
na monotonia dum cão a passar e alegram-se fantasiando coisas obscenas quando
passa uma bela rapariga.
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Olho e vejo árvores. A cerveja desfoca além da linha dos
pés, quando as pernas estão esticadas. A sombra seduz-me, cruzada com a música
inquietante de ébria. Os tremoços acabam por enfastiar, no Verão comem-se
caracóis, mas gosto mais de amêijoas à Bulhão Pato, das verdadeiras.
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O dia roda e as sombras esticam-se, pardam-se, intensam-se. O
que fica entre a sombra e o chão. Enigma de física, religião ou filosofia? Poesia
de se esquecer. Vinho.
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Sob a sombra há um espaço ínfimo-infinito. Uma terra de
anões microscópicos, que colhem floras específicas da penumbra. Esse mundo
acaba quando o lusco-fusco se apaga e renasce sossegado no primeiro bocejo da
manhã.
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Sob a sombra, um reino ínfimo-infinito. Zanskar, por que
não?
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