Uma coisa que tenho aprendido a apreciar é a bondade. Não a coerência duma vida ou a verticalidade orgulhosa, mas a bondade. Há pessoas
que têm nos olhos a alma sem que por isso sejam uma boa alma. Não me refiro a
sentimentalismos, mas a índole. Conheço o João há quase trinta anos e hoje vai
a cremar. Não sou o melhor amigo, mas conheço-o e sempre o conheci bom. Não é
porque o corpo morreu que ele é bom, mas porque o foi sem nunca se ter feito ver por santo. Lembro-me da frenética calma, que é a forma menos óbvia
de não se ter calma. Não lhe conheço má-língua sem ser num lamento. Não me
lembro dum lamento sem uma razão. Sempre honesto e íntegro. O João é boa
pessoa. Eu, que não sou íntimo, sei do esforço que fez, antes de abandonar o
corpo, em tratar dos pais. A sua gesta é prova, no mínimo, de gratidão. O corpo
do João queima-se numa máquina, mas a bondade fica com quem o conhece, que só guarda
boas memórias.
Sem comentários:
Enviar um comentário