Tenho dias maiores do que outros e as noites nunca me
chegam. É ainda tarde para acordar. Quando for cedo adormeço, para que o sono não
se gaste acordado.
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Sem janela e sem sombra. Tédio meu me dás hoje. Pai nosso de
dúvida e de desesperança. Limbo acabado, Purgatório escondido, nem Inferno nem
Céu. Dias de coisa nenhuma, sem apetite nenhum para coisa alguma, em momento
concreto.
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Relógio de horas assimétricas, de minutos vagos, de
instantes incertos. Dias de nostalgias, noites de sono insuficiente, dias de
noites nostálgicas, dias de dia de sono, sono de todos os dias, sono todo o
dia. Noite finita de sono infinito. Quendera partir.
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Quendera partir para onde o sono é vida. Toda a vida de
todos os minutos. Seja escura ou clara a noite, sempre noite, a milímetro do
abismo de todas as vidas, as novas e as repetidas. Em qualquer lugar do outro
lugar.
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Não há segredos além do segredo de viver. Resume-se a vida
aos minutos passados e aos que hão-de vir. Viver um presente é impossível,
pelos momentos de infinita imprecisão e constante movimento, do futuro para o
passado.
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Sim, sono. Todas as horas do dia, incluindo as da noite. Ainda
que durma, é noite. A casa de Deus. Deus que duvido, na fé verdadeira de quem
quer amar e não sabe.
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Dias de horas imprecisas. Sonos a milímetro dum abismo, como
o que Orfeu perdeu Eurídice. Sem o talento, mas a sorte. Sem o amor cego, mas
cego pelo amor- morto na desconfiança e na conjura. Esperança morta pela
estupidez sem tempo. A tal vontade de cair no remoinho, de braços abertos à
espera do fim da queda.
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O meu amor é vago, posso amar quem quiser. Amor que não vê
Deus e nem a sua infinita invisibilidade. Prosto-me perante a derrota, capitulo.
Descreio de Deus e dos homens e dos dias. Quero dormir para que acorde na terra
que me espera.
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Tem muitas horas, o dia. Despeço-me dos dias quase todos os
dias, quase a cada hora, acordado. Adormecido estou morto, nesse país sem
tempo.
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Sem força, nem para partir, deixo escoar a areia pelo
estreito da ampulheta imprecisa. Morto de tédio e morrendo a cada instante, em
que o tédio é ainda mais entediante. É uma coisa estranha sem presente, o
presente.
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Calço os sapatos e faço-me à vida. O caminho levar-me-á a
outro lado. Que seja a esse sem tempo. Mais hora, menos hora. Incerta e
imprecisa.
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