Não consigo ouvir com tanta luz. Sei que há amoreiras por aí, pressinto pássaros e julgo saber que este aroma é de violetas. Não vejo nem oiço com tanta luz. No espaço não se ouve a terra. A voz do universo pressente-se, mas não se ouve. Prevê-se, que é como quem diz que vê antes do tempo. A voz do universo não é a de Deus. Será que Deus tem voz? . Está em toda a parte. É toda a parte. Já esteve. Já está. Estará. Antes de estar já lá está. Deus quer. Não precisa de fazer porque a sua vontade é fazer. Deseja ao mesmo tempo que faz. Será? Há a velocidade da luz. Há a velocidade do querer. Há a velocidade do desejo. Há a velocidade do pensamento. Há uma velocidade para a vontade de Deus? Não compreendo Deus. A minha crença é insuficiente para dele saber o que quer que seja. Intui-o. A minha crença é suficiente para saber que dele não sabemos nada. Esta tanta luz que não me deixa ouvir. É um zumbido nos olhos. Um formigueiro na alma. Desço as escadas que dão para o jardim, pela força de tanto o fazer, faço-o sem custo. Contrariando a vontade da força da gravidade, que quer tudo sempre em baixo. As violetas ficam bem numa declaração de amor? Se a noiva for de negro. A cor não é a do Senhor dos Passos? Não será por acaso que as noivas levam ramalhetes de flores de laranjeira. Têm pétalas claras, evocam virgindade. Evocam a verdade. O tempo que há-de vir. Mas não devia ser. Ninguém se casa virgem. Nem sei se as laranjeiras florescem na Primavera. Deve ser. Já consigo abrir um pouco os olhos, pela sombra entremeada das árvores deste jardim. Apesar de não terem pálpebras, os ouvidos não ouvem nada. Sei que por aí há pássaros. Gostava que fossem melros. Ora, melros e violetas combinam. Que ave se pode rimar com flores de laranjeira? Nenhuma voz me responde. A voz da Terra é ruidosa, mas uns quilómetros lá em cima e é como se o planeta fosse mudo. Dizem que no vazio não se propaga o som. Mas o universo tem voz. Não é a voz de Deus, é a do universo. Os cientistas têm uns equipamentos muito caros que permitem ouvir o som da expansão do universo. Dizem que vem do big bang. Como pode uma coisa ruidosa se resumir a som nenhum, que, apesar de tudo, se ouve nuns equipamentos muito caros e complicados? A voz humana é mais simples. É bela. As dos pássaros também. Também há o som do bater das asas. Pudesse eu voar, como um beija-flor… frente à flor da amada pararia. Um beijo? Um beijo. Com toda esta luz não vejo nem oiço. Pode estar à minha frente falando-me que eu, encadeado, só penso na voz do universo.
digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.
quinta-feira, abril 14, 2011
Som
Não consigo ouvir com tanta luz. Sei que há amoreiras por aí, pressinto pássaros e julgo saber que este aroma é de violetas. Não vejo nem oiço com tanta luz. No espaço não se ouve a terra. A voz do universo pressente-se, mas não se ouve. Prevê-se, que é como quem diz que vê antes do tempo. A voz do universo não é a de Deus. Será que Deus tem voz? . Está em toda a parte. É toda a parte. Já esteve. Já está. Estará. Antes de estar já lá está. Deus quer. Não precisa de fazer porque a sua vontade é fazer. Deseja ao mesmo tempo que faz. Será? Há a velocidade da luz. Há a velocidade do querer. Há a velocidade do desejo. Há a velocidade do pensamento. Há uma velocidade para a vontade de Deus? Não compreendo Deus. A minha crença é insuficiente para dele saber o que quer que seja. Intui-o. A minha crença é suficiente para saber que dele não sabemos nada. Esta tanta luz que não me deixa ouvir. É um zumbido nos olhos. Um formigueiro na alma. Desço as escadas que dão para o jardim, pela força de tanto o fazer, faço-o sem custo. Contrariando a vontade da força da gravidade, que quer tudo sempre em baixo. As violetas ficam bem numa declaração de amor? Se a noiva for de negro. A cor não é a do Senhor dos Passos? Não será por acaso que as noivas levam ramalhetes de flores de laranjeira. Têm pétalas claras, evocam virgindade. Evocam a verdade. O tempo que há-de vir. Mas não devia ser. Ninguém se casa virgem. Nem sei se as laranjeiras florescem na Primavera. Deve ser. Já consigo abrir um pouco os olhos, pela sombra entremeada das árvores deste jardim. Apesar de não terem pálpebras, os ouvidos não ouvem nada. Sei que por aí há pássaros. Gostava que fossem melros. Ora, melros e violetas combinam. Que ave se pode rimar com flores de laranjeira? Nenhuma voz me responde. A voz da Terra é ruidosa, mas uns quilómetros lá em cima e é como se o planeta fosse mudo. Dizem que no vazio não se propaga o som. Mas o universo tem voz. Não é a voz de Deus, é a do universo. Os cientistas têm uns equipamentos muito caros que permitem ouvir o som da expansão do universo. Dizem que vem do big bang. Como pode uma coisa ruidosa se resumir a som nenhum, que, apesar de tudo, se ouve nuns equipamentos muito caros e complicados? A voz humana é mais simples. É bela. As dos pássaros também. Também há o som do bater das asas. Pudesse eu voar, como um beija-flor… frente à flor da amada pararia. Um beijo? Um beijo. Com toda esta luz não vejo nem oiço. Pode estar à minha frente falando-me que eu, encadeado, só penso na voz do universo.
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