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A casa é casa. Quando fico sozinho deixo que as coisas sejam além do material. As gavetas guardam memórias. Os pratos evocam. Os objectos dizem-me do amor que já passou.
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Velas acesas e música. A viola da gamba. A sétima corda. A comida com levantamento de aromas e vapor. O vinho. No copo quase às escuras.
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Lembro-me do jantar que não se teve nesta mesa. Do amor que nunca mais se fez. Da última tarde de sexo. Em desengano. Fazia calor e, como sempre, estava bela e muito amante, amada.
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Depois foi-se o Verão. O Natal e o novo ano, entrou. A Primavera levou. Tudo se foi. O tinha e não tinha de ir. Desabrochou uma flor de diferença. Saudade sobre a saudade. Vieram males ao mundo.
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A casa é a casa. Em tantos anos, tem ficado a mesma. Como um mostruário de museu. As dores e os silêncios.
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Na cabeça, todas as conversas. Até as que se desejaram um dia vir a ter. Os sonhos em reconciliação, das visitas nocturnas. As visitas nocturnas a meio dos sonhos. Metassonho.
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Que a casa seja casa. Que seja como quiser, desde que a chuva fique do lado de fora. Já basta a chuva que tenho em mim.
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No frio, na noite, no céu azul os silêncios que chegaram com a partida. A casa ainda é a casa do tempo em que foi casa.
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O calor agora é eléctrico. O dantes era de lábios. Pudesse eu, ia buscar-te ao pôr-do-sol.
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