digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, outubro 24, 2010

A nudez da morta

Cada pedaço de nudez é um mergulho para dentro do corpo que se vê.
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Ainda hoje não me lembrei de ti. Mas deixei-te um bocadinho de cor nos olhos a preto e branco. Que te lembres tu de mim.
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Imaginei-te perdida em marasmo. Só num nevoeiro. A cor será a luz que me afasta.
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Alguma coisa que não existe deve existir noutro lugar. Por isso tranquilizo-me por não ser amado. Ou engano-me. Num outro lugar terei as mãos apertadas da dor do prazer que se tem quando se tem dor. Dos corpos suados.
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Juntos, no escuro, despenhamos os lábios uns nos outros. Num momento só há beijo e nada mais, e as mãos entrelaçadas ora curiosas do corpo.
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Podiam os lábios ser flor se não fossem planta carnívora, desejada, para me comer. Sorriso pé-de-flor, encadeando-me para o abismo do amor para fazer.
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Ilusões. Não existes, em corpo, perto de mim.
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O silêncio da casa estorva-me o sono. Não estás. Estarás num Jardim celeste, quiçá morta esperando o momento em que me junte. Talvez enganando-me para que mergulhando num vórtice ascendente desapareça. Amas-me? Ainda?
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Escreve-me uma carta para que o amor não morra sozinho. Morra esvaindo-se, escorregando e esparramando-se no tempo.
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Queria morrer. Morrer de morrer. Morrer na morte. Morrer não de corpo, mas de alma. Para que as cinzas não tivessem de existir e a memória se esquecesse. Podia ser imortal ou descomprometido.
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Pior do que morrer é parar a ver o seu próprio funeral. Espectral e frio. Triste como um dia de chuva à tarde.
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A minha vida faz-se de impasses. Doutra forma já voaria sobre ti, voltando a poisar em febril êxtase. Se te amo? Como te posso amar se me sinto morto, alimentado apenas por memórias ou recordações imaginárias.
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Sentado frente à cama onde te deitaste nua, quero fumar olhando-te o corpo e vendo todo o tempo em que estivemos sem o outro.
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Sentado frente à cama onde te deitaste nua sofro e falta-me o ar. Sou capaz de chorar. Estou capaz de chorar. Fecho os olhos para que as lágrimas não vertam.
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Fecho os olhos para que verta e a água me emocione. Como antes me emocionara só de ver o corpo nu vagueando nas considerações acerca do tempo em que estivemos longe.
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Tenho uma tontura. Tenho tremor nas mãos. Como se fosse fazer amor pela primeira vez. Empedrenido e virginal.
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Tudo se pode resumir a um cigarro. Se fumasse deixaria cair a cinza. Enquanto olho para o teu corpo nu deitado.
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É um mergulho no tempo em que transitoriamente não nos conhecemos.
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Ficas a faltar quando dormes.
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Sonhando na penumbra do quarto vejo-me outra vez contigo. Gostaria que me tivesses escrito uma carta. Uma carta qualquer, para que o amor não tivesse morrido sozinho.
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Acordo lavado em lágrimas. Não estás e o silêncio da casa incomoda-me. Não estarás. Continuas morta.

1 comentário:

Incógnita disse...

Esperando.