
Diz o livro que Colares é uma «pequena e encantadora vila». Não está mal, não senhor. É verdade que não tem os encantos de Sintra, mais acima e cabeça de concelho. Pois não tem, mas não é por isso que Colares deixa de ser simpática e agradável.
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Infelizmente, a vila está esmagada pela estrada, como um rio caudaloso que quebra o ritmo dos passos e desvia a atenção para o movimento das máquinas em vez de a deixar levar pelas copas das casas e das árvores e sua sombra. Infelizmente, mas não se faça um drama com o que não é.
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Para muita gente, Colares é o poiso do eléctrico vermelho que zumbe até à Praia das Maçãs. Talvez para os mais velhos. Talvez para os mais novos. Uma ou duas gerações do meio não terão conhecido o carro, que vem de Sintra por carris, na sua infância. Muita coisa, talvez quase todas, que não acontece na infância não chega a acontecer.
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A Praia das Maçãs, tal como Colares e Sintra, é refresco de Verão. A serra e o mar desmontam os calores, tornando o ar mais respirável. Aquelas bandas são de burguesias e fidalguias doutro tempo.
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Doutro tempo é também o vinho de Colares. Hoje é desconhecido e fora de moda, mas foi em tempos enaltecido pela sua fineza. O tinto faz-se com ramisco, uma casta rara, em pelo menos 80 por cento: um monovarietal ancestral, num país em que o normal são os lotes de vinhos de várias uvas.
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Disse um sábio que o Colares é (era) o mais francês dos vinhos portugueses. Era, porque hoje quase não existe e porque os vinhos portugueses se afrancesaram e internacionalizaram. Há quem diga que a Califónia começou por imitar os Bordéus, que agora imitam os californianos. Consta...
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O vinho de Colares não é bem dali. É natural mais para os lados das Azenhas do Mar. Não importa, chama-se Colares. Perto dessa aldeia marinha, num areal obrigatório, estende-se a maior vinha da região.
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O ramisco é difícil, adstringente e temperamental, precisa de tempo para se beber. Coisa com que a modernidade destina. A passo com o presente faz-se o MJC, marca histórica e ressuscitada pela Fundação Oriente. Uma janela para a gloriosa memória dum dos vinhos favoritos de Eça de Queiroz.
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Malvasia perto do mar
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Lá em casa, o Colares era tinto. Mas na terra donde vem há igualmente branco. A casta é a Malvasia de Colares, com o nome no rótulo não há risco de engano. É dali mesmo. Só mais tarde o descobri.
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Confesso que continuo mais fiel ao tinto, mas o branco tem trunfos muito dignos. Tal como o mano tinto, é um vinho diferente da moda. Não importa, o que é bom é sempre bom. Os clássicos hão-de sobreviver. Assim espero.
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Se uma parte da beldade vem da casta – que pode ser acompanhada por Arinto, Galego Dourado, Fernão Pires, Jampal ou Vidal – outra resulta dos estágio obrigatório de 18 meses em vasilha e seis em garrafa. Assim mesmo manda a lei.
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Na diminuta denominação de Colares – pouco mais de 20 hectares – as uvas brancas são uma franja. Mas compensa provar. Porque a temperatura moderada dá vinhos mais suaves e o solo arenoso faz das suas.
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Enamorei-me pelo outro MJC, que é requintado e aristocrático. Não conheço o prato típico de Colares, mas certamente irá bem com uma bacalhauzada. Aposto nisso.
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O vinho do João
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Conheci o João numa viagem que fiz no Douro. O João a que me refiro é o João Brito e Cunha, um homem novo e cheio de estaleca. Estava ele, na altura, a reger os vinhos dos Lavradores de Feitoria.
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O tempo prossegue o seu caminho e volta e meia encontro-o. Uma vez foi no Porto, mas ele não me viu... também não o chamei, não fosse a minha namorada da altura levar a mal a quebra do nosso momento de deleite sobre o rio Douro.
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Uma certa vez, noutra viagem ao Douro vinhateiro, o João mostrou-me a sua aposta, a grande aposta: a Quinta de São José, uns tantos quilómetros, não muitos, acima do Pinhão. Uma quinta antiga com casas de pedra e com entrada pelo rio. Um mimo; um luxo.
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A paz do vale do Douro deve ter um papel determinante nos vinhos, ou não fosse maternidade de coisinhas tão boas. Importa também não esquecer o mérito de quem transforma as uvas em néctares.
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Na última vez que encontrei o João foi numa mostra de vinhos do Douro. Mostrou-me então a novidade de seu engenho. O Ázeo, um tinto para uso restrito, tal a limitação da nascença; cerca de 6.500 garrafas.O Ázeo de 2005 mostra-se com cor carregada, com alguma austeridade e siso. O vinho promete evolução interessante, pelo que valerá a pena guardar alguns exemplares para saber como foi e como está.
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