digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Bica de tinto

O facto é que falhei a «Flauta Mágica» no São Carlos. Para mais tratou-se duma récita especialmente para miúdos, o que daria muito jeito para a minha cabecinha, visto ser comum dizerem-me infantil. Na verdade, há ainda uma hipótese para Maio, mas ainda não meti os pés a caminho duma bilheteira e, conhecendo as práticas do Teatro Nacional, duvido que chegue a tempo de ver o que quer que seja.
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O meu problema agora é que já prometi acompanhar uma amiga. Pior ainda é que conheço a Rainha da Noite e comprometi-me a assistir. A questão é esta: gosto de ópera, adoro Mozart e aprecio bastante a «Flauta Mágica», mas abomino ter de ir comprar bilhetes. Devia haver alguém que mos trouxesse. Eu devia ter privilégios.
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Quando era miúdo, mas já não tanto assim, punha-me a fazer vozes operáticas, cantando o melhor que podia ou conseguia. Era ver os amigos a rir com as minhas palhaçadas cantadas. Uma das óperas que mais parodiava era, exactamente, a «Flauta Mágica», muito provavelmente por ser uma das mais populares e identificáveis.
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Nas minhas extravagantes performances destacavam-se os momentos de alegria pictórica da Rainha da Noite. Esta voz grossa, ou em vias do ficar, a arranhar caminhos reservados às sopranos era de escangalhar a rir pelo ridículo da minha figura. O dueto de papageno e papagena era também alvo dos meus atropelos ao bom gosto.
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Bem, mas voltemos ao presente: O que fiz eu na vez de ter ido ao São Carlos? O mesmo que, provavelmente, vou fazer em Maio: borguei com os amigos. Armei-me em Marialva guloso, coisa comum em mim, e diverti-me com boas comidas e bons vinhos.
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Não sei quais foram os vinhos que me desviaram do teatro, mas por essas alturas experimentei um tinto do Dão que muito me alegrou. O Quinta da Bica Reserva 2004. Trata-se dum vinho com complexidade, que desafia sem ser difícil. Apreciei-lhe os taninos, que deixam antever uma vida pela frente.
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Este tinto do Dão é um vinho de brado, que dou sem os cocorocós que cantava quando miúdo. Canta alto. Felizmente sempre aprendi alguma coisas na vida… como não fazer comédia nem cantar ópera.
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Do que eu não me lembrava
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Há coisas que não têm nada a ver com outras coisas, mas que, porém, acabam por se relacionarem. Nem que seja pelas minhas associações mentais, fruto duma mente perturbada. Vou dar alguns exemplos. Com calma, porque isto não é coisa que se faça de forma automática.
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O que tem a ida ao barbeiro (cabeleireiro, mas prefiro à moda antiga) de Luís Filipe Menezes com a política nacional? Não tem nada a ver, porém está ligado, ou não tivesse sido acompanhado por jornalistas da SIC. Ou até terá… há ideias que não lembram a um careca. Não apenas ao chefe dos social-democratas, mas a todos os políticos… e a todos os que não são políticos… eu incluído.
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Numa das edições da Sábado vi uma fotografia de Barack Obama com os pés levantados e pousados numa mesa. O candidato à presidência dos Estados Unidos calçava uns sapatos com buracos na sola. O que tem esse facto a ver com a política? Aparentemente nada, mas se pensarmos que há promessas que caem em saco roto… que o homem tem uma longa caminhada pela frente até ao final das primárias e eventualmente outra para as presidenciais propriamente ditas…
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A propósito de furos… há garrafas que parecem ter um furo, que se deixam ir como se estivessem rotas. Outro dia aconteceu-me. Há muito que já não bebia um destes. Não é uma extravagância, mas uma boa aposta segura. Pois, trata-se dum vinho que eu injustamente não me lembrava, apesar de ser uma aposta seguríssima para o dia-a-dia: Prazo de Roriz 2006. Deixou-se ir muito bem com um belo entrecosto no forno com batatinhas. Para beber já, a breve prazo.
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E o que tem este tinto do Douro com Luís Filipe Menezes e com os sapatos de Barack Obama? Nada, não fosse estar a escrever esta crónica ao mesmo tempo que leio uma revista. As coisas incríveis que consigo fazer ao mesmo tempo… e sem me rir nem cair da cadeira.Como se comprova, há coisas que não tendo nada a ver acabam por ter ligação. Esta crónica também não lembra a um careca, mas talvez esteja uns furos acima do que para aqui costuma aparecer escrito. É o chamado desconstrutivismo lógico aplicado à escrita de vinhos.

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