
Nunca percebi como o arrastar do arco sobre as cordas pode ser belo. Não percebo nem tento. Não vale a pena, pois é belo e isso basta.
A luz cónica é quente e, à primeira vista, tocador e instrumento não têm sombra. O escuro está em redor, onde a luz não bate.
Embora o tocador esteja só, ele não está sozinho. Consigo tem o som, a música e este narrador inexistente. Serei eu o instrumentista? Será apenas uma imagem imaginada, idealizada?
Não conheço a música. Nem a oiço. Apenas o tocador a ouvirá na sua acompanhada solidão. Por mim é a canção da Rita. A nostalgia da luz e o escuro do passado.
Não sei onde ela está, mas conheço-a em toda a parte. Em toda a parte a vejo. Em sonhos partilhamos momentos. Ultimamente tristes.
A tristeza abandonou-me, um alívio. Um alívio. A memória feliz e o presente amargo. Porém, a tristeza largou-me.
A tristeza largou-me como ela me deixou um dia. Não a desejo, mas sinto-lhe a falta. Só em sonhos. Ultimamente tristes. Eu e ela. Doridos pelo tempo, desencanto e separação.
Houve um tempo de grandes ilusões. Todo o desejável foi desejado. Até ao dia da partida. Um dia ela, depois eu. Suspiro. Suspirará?
A luz cónica não chega a aquecer. O escuro frio cerca de perto. Há os negligenciáveis arrepios, mas não está calor sob a luz.
Não sou o tocador, mas sei que luz está e qual a sua temperatura. Sou narrador e, contudo, não estou na sala. Nem sei, imagino.
Imagino qualquer coisa para além do que vejo. A realidade minimalista da sala irradia pensamentos. Imagino-me e imagino-a. Que temos a ver com isto?
Que temos a ver um com o outro passado este tempo? Já não é dor. O afecto ou a amizade ou o antigo amor deu, deram, lugar ao ressentimento.
É uma música triste. Não há dúvida que é triste. O vibrar das cordas pelo arco e a luz cónica não são nostalgia nem melancolia. São outra coisa qualquer. Coisa bela.
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