digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, abril 19, 2006

Não fumo

Quando ela passou pela porta eu saí a seguir. Ela desceu as escadas e nunca mais as subiu. Deixou-me um beijo e não sei bem se o meu rosto ficou húmido do beijo da despedida ou se das lágrimas, das minhas e das dela.
Quando ela passou pela porta eu saí a seguir. Fui atrás, mas ela não voltou. Aproveitei, já que estava na rua, para fazer muitas coisas nunca autorizadas na vida a dois. As muitas coisas foram duas: comprei uma pista de comboios e um cachimbo. Não fui às putas.
Ela achava uma criancice a pista de comboios. Todos os homens percebem para que serve. Está nos génes. Está provados que está nos génes. As mulheres justificam as suas parvoices com as hormonas. Os homens defendem-se com os génes.
Ela moía-me o juízo por causa do cachimbo, porque não fumo, porque ia encher tudo de fumo, porque ficaria com ar ainda mais petulante, porque a incomodaria... Eu repeitava a opinião. Um dia ela desceu as escadas e fui atrás dela, mas ela não me quis ouvir nem voltar. Não voltou e eu comprei um cachimbo e uma pista de comboios.
O tempo passou e ela nunca mais voltou a subir as escadas. Nem por engano. Não teve saudades, nem dúvidas, nem lembranças, nem afectos. Eu lembrei-me dela muitas vezes e continuei sem fumar. Mas tinha uma pista de comboios e um cachimbo que acendia às vezes. Um dia cansei-me da ausência e deixei de acender o cachimbo.
Quando ela desceu as escadas nunca mais as voltou a subir. Fui atrás dela e comprei um cachimbo. Deixei de o acender quando me esqueci dela.

4 comentários:

Anónimo disse...

Amigo querido, tu és das melhores pessoas que conheço para me deixares bem disposta, sempre com as tuas brincadeiras, os teus piropos de bradar aos céus e a forma como cultivas a amizade. Mas este texto mostrou-me que este é também o João que nem sempre se revela, mas que sei muito bem que existe. E talvez porque me lembrei de muita coisa, de alguém que também desceu as escadas e nunca mais voltou, fizeste-me chorar. És uma pessoa maravilhosa, nunca te esqueças disso. Beijo enorme.

João Barbosa disse...

agora, estou sem palavras... acho que vou amuar... ahahahahahah

Anónimo disse...

É difícil eleger um texto,neste teu blog, este é lindissimo. Demonstra bem o teu dom natural, quer para as palavras quer nos sentimentos loucos, confusos e deliciosos. Percebeste?

João Barbosa disse...

não. explica-me... faz-me um desenho hiper-realista... ihihihihih