digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sábado, abril 08, 2006

Encostado à sombra

A minha sombra preferida é a duma figueira. A árvore está frente à casa e gosto de estar perto dela sem fazer mais nada, apenas a pensar.
A minha sombra preferida cheira doce e apetece-me quando estão maduros os frutos da árvore que a causa. Nunca me cansa o cheiro dos figos, mas sacia-me muito o seu sabor.
Muitos dias, daqueles que têm muitas horas, sento-me numa cadeira com fundo de palha e fico a admirar o tronco torcido da árvore que me dá sombra e perfuma a vida. O Sol é tão forte aqui que só uma sombra doce e larga como a da figueira refresca o ar.
Entre a casa e a árvore tenho um poço que me dá água fresca. Não fosse a pedra, o fundo longo e a sombra da figueira a minha sede não se bastaria de modo tão contente. A sombra cobre-o todo o dia, por isso está sempre a uma temperatura amena para a garganta. Às vezes alguns figos caem ao poço, mas nem assim se estraga o líquido ou fica estragada de doce a bebida.
A casa faz-se de pedra de xisto alinhada em aparente desalinho. Tem uma porta quase de frente para o tronco da figueira. Mas o que lhe dá mesmo de caras é a janela do meu quarto. Mesmo quando chove posso vê-la com seus braços largos. Vejo-a todos os dias. Quando chove os gatos ficam em casa a aquecerem-se ao lume, não trepam aos ramos e não parece haver bichinhos em lado algum de fora das paredes. A figueira que tem um aroma tão festivo cheira a seiva quando chove, apenas a verde, apenas a vida. Fica quase triste quando chove, porque não dá sombra.
Gosto da figueira, gosto mais dela quando há Sol e ela me dá sombra. É franca e larga. Gosto de me encostar à pedra rugosa da parede e ficar a vê-la sem pensar em mais nada a não ser na vida, nas formigas ou nas abelhas que vão à fruta ou nos gatos a correr no quintal. Não tenho muitas mais vistas: Tenho umas oliveiras, umas laranjeiras e limoeiros, o poço da água fresca, a figueira e a sua sombra.
Ah! Como gosto do Sol e de estar à sombra da figueira! Encostado à parede de xisto a pensar. Chego a pensar que fumo e esqueço-me de fumar. Só penso na vida e na sombra larga da minha figueira.

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