digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, dezembro 24, 2025

Neutrão

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Quero contar do Natal. Do meu Natal, acerca doutros faço-me calado. Vou explicar a minha neutralidade dando conta duma entrevista que me fizeram. Os diálogos deste texto foram escritos em memória, são fiéis em espírito.

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Dei várias entrevistas. Não serão muitas, mas para quem tem ganho a vida da fazer perguntas e a ouvir respostas são bastantes – até dizem que o jornalista nunca é notícia. É verdade, desde que.

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A maioria delas foi sobre a depressão e do meu livro de testemunho, mas também acerca do Interrail, da gulodice e do Natal. Possivelmente terá havido outras, a memória não me mostra, pelo menos por agora.

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Essa entrevista acerca do Natal foi, de muito longe, a mais divertida e marcante – antes, durante e depois, indo para lá de quinze anos. Começou logo pelo tema: Pessoas que não gostam do Natal. Há um problema, não tenho nada contra a festa do 25 de Dezembro, nem contra refeições familiares, aparatos, papel colorido rasgado, homilias e meias-noites.

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Quando o jornalista chegou, a minha casa, perguntou-me se não tinha árvore-de-Natal, presépio ou enfeites.

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– Não. Não ligo ao Natal.

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O homem achou estranho – não é retórica nem converseta para alegrar leitores – não haver nada alusivo ao Natal. Prontamente lhe disse que não sou contra o Natal, não desgosto do Natal, mas não me contenta o Natal. Simplesmente, não ligo.

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Durante a entrevista fui lembrando que não sou contra o Natal, mas a conversa ia poisando no mesmo com frequência. Expliquei-lhe que em miúdo gostava, na adolescência desinteressou-me, celebrei-o novamente porque era «obrigado» por uma namorada e que estava novamente abstémio de natalidades, porque esse relacionamento terminara.

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Portanto, acho que houve um erro de escolha do elenco. O homem foi falar não com alguém que não gostava do Natal, mas para quem é indiferente. Perguntou-me dos pratos da consoada e dos doces da época. Finalmente, quis saber se tinha tido algum Natal diferente, do ponto de vista de quem não liga ao Natal.

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Contei-lhe que, dois ou três anos antes, tinha saído na noite a 24 de Dezembro, com um amigo, e que o Bairro Alto estava deserto, porque fechado. Ou quase deserto e quase fechado, um vez que um pequeníssimo bar tinha a porta aberta e algumas poucas pessoas tomavam um copo, conversavam e ouviam música.

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– Falaram sobre o Natal? O que disseram?

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– Não. Não falámos sobre o Natal. Ninguém estava ali por causa do Natal. Éramos pessoas que não celebravam o Natal, nada mais.

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– Não pagaste um copo a alguém?

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– Sou capaz de ter pago um copo ao meu amigo ou ele a mim.

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Pediu-me, terminada a entrevista, para ir à rua ser fotografado com a iluminação natalícia, uma vez que não havia cenário caseiro. Ri, ri mais, ri muito, fiz ar contente e expressão muito feliz.

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A revista saiu na semana seguinte. Boas fotografias – o modelo era bom, só ajudou –, texto bem escrito e.

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E que o texto terminou dizendo que eu tinha pago um copo ao amigo, porque, afinal, sempre era Natal.

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Celebro o Natal desde 2011. Em mim não mudou nada, mas mudou a minha vida. A Ana gosta do Natal e chegou com um miúdo, de quatro anos, agarrado a ela. O Natal continua neutro, mas sentir a família feliz dá muito prazer.

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