digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, novembro 13, 2025

Manga – 2010 – 13 de Novembro de 2025

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A Manga chegou porque tinha de chegar, embora eu não quisesse mais nenhum cão. Mas se veio é porque havia razão, ninguém surge sem um motivo.

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Disse exigindo:

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– Um cão, só se não ladrar.

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Sou gatófilo. Adoro cães, mas criam-me ansiedade – por várias razões. Os animais sentem o nosso estado de espírito e não quero transmitir-lhes intranquilidade. O ladrar incomoda-me bastantíssimo.

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Sinceramente, acreditei que a minha condição não iria ser tida em conta. Não esperava que a Ana procurasse um cão que fosse silencioso. Estudou e descobriu que o épagneul breton não ladra.

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Nunca privilegiámos raças e, por isso, a escolha não seria baseada em pedigree nem, muito menos, compraríamos um animal. A procura seria feita em associações e com a condição explícita de não ladrar ou de fazê-lo pouco.

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A condição era essa, tanto fazendo se de raça ou rafeirice. Porém, encontrou uma épagneul breton para adopção. Se achou, cumpri a minha parte: adoptar a bichinha.

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Fomos visitar a UPPA já decididos a trazê-la. Tinha sido abandonada no canil de Sintra, resgatada com sete anos e estava há um para adopção. Quem visitou a associação, antes de nós, dizia que era linda, mas que «ia pensar». O «ir pensar» significa «é velha». Por isso, os voluntários ficaram visivelmente felizes quando a viram no banco traseiro do nosso pequeno carro.

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Saiu da Terrugem chamando-se Manga-Rosa e chegou a Lisboa só com o nome de Manga. Com o tempo passei a chamar-lhe Manga Maria e Mangalética.

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Veio o caminho todo a arfar. Compreendemos, pois não nos conhecia, estava num automóvel – sem sabermos qual a sensação ou memória que isso lhe causava – e entrou numa casa com soalho de madeira – desconhecíamos se já vivera com esse chão.

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Durante uns dias arfava e dormia. O sono é explicável pelo défice de descanso numa colónia de cães, onde o ladrar é constante. Todavia, a respiração deixou-nos apreensivos, mas passou com o tempo.

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Chegou a pensar que iria ficar com o quarto lugar na hierarquia da casa, logo abaixo dos Homo sapiens sapiens, e corria atrás das gatas – o que, uma vez, poderia ter sido fatal para a Valsa. A gata saltou a tempo e o prejuízo foi apenas uma jarra ligeiramente lascada.

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Um dia vimo-la a olhar para a Granita e a ganir. Portanto, a gata alfa deve ter-lhe explicado, com os «garfinhos», que o gato tem estatuto superior ao cão.

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A Manga, de facto, não ladrava – devo tê-la ouvido duas ou três vezes. Fazia, às vezes, um som parecido quando dormia e nada mais.

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A doçura era outra das suas características. Era muito mansa e dócil, gostava de crianças, mas era impiedosa com pombos – assassinou um no jardim da Parada do Alto de São João. Um dia, uma veterinária fez-lhe a patifaria de espetar uma agulha… não mordeu nem rosnou… deu-lhe beijinhos.

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Com o tempo, o meu amor por ela cresceu enormemente e ela retribuiu na mesma quantidade e qualidade. Uma relação que até espantou a treinadora que a ajudou a ultrapassar uns comportamentos indesejáveis. Passei a dizer:

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– Gosto mais de gatos do que de cães. Mas a Manga é a Manga. A Manga não é um gato e também não é um cão. A Manga é a Manga!

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A Ana tirou o Bobi da rua. Não sabíamos se a Manga o iria aceitar ou, no mínimo, criar pequenas disputas. Não podia ter corrido melhor, ficaram os melhores amigos, sem ciúmes ou qualquer azedume.

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Quando o Bobi morreu, em Abril de 2024, a Manga deprimiu e envelheceu, perdendo o interesse em ir passear à rua. Lentamente, foi ficando menos ágil. Neste Verão foi connosco para o campo, melhorou nitidamente o ânimo e passou a andar melhor, embora eu tivesse continuado a ajudá-la a subir escadas. Conclusão:

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– Confirma-se, estava um pouco desajeitada a andar por fazer pouco exercício.

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Errado.

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Numa tarde de final de Agosto começou com espasmos. Dificilmente consegui acalmá-la e levei-a imediatamente à Sociedade Protectora dos Animais. A Manga estava com uma doença neurológica. Resumindo, o mal progrediu rapidamente e hoje.

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Direi sempre:

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– Gosto mais de gatos do que de cães. Mas a Manga é a Manga. A Manga não é um gato e também não é um cão. A Manga é a Manga!

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Nota: Gostava de pôr uma fotografia mais humana do que esta, mas, devido a problema com o computador, não tenho melhor.

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