digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, julho 27, 2025

Onde pertenço não é aqui

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Passei, desejando passar, enganado passei, querendo ir, tendo passado, julgando o caminho certo, crendo ser no caminho, é passado, agora passo, andando sempre sem ver, olhando parado, retomando o passo, virando, revirando-me e continuando na direcção para onde dizem os pés e, como sempre, não o tino, que não é mais atinado, vou desperto como dormindo desejando o pedestal, crédulo num sonho da infância, mas não alcançarei mais do que a lápide das datas, avisa-me o senso-sincero-insensível, mago do desânimo, conselheiro ignorado, se não for para ser cinza.

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Entardecendo vejo o futuro. Agora querendo aqueles anos de tintura e película, da sala do cinema, do cheiro do teatro, quando comia as letras como se fosse traça, sei dos equívocos e os meus pés estão moídos.

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Aqueles dias, somente novos, os outros arderam como a folha listada onde se começou um poema desinspirado, quase plagiado, de amor ou melancolia.

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Onde errei e quantas vezes, pergunto-me sem interrogação.

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Desejar o regresso é caminhar numa rotunda de becos sem saída e sentidos proibidos, relógio sem ponteiros, conduzindo à inglesa.

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Nem saudade nem nostalgia, valha-me a graça de não ser de tais interesses. Nem imagino se. Porém.

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Não peço o regresso, mas a seta certeira e a quantidade de metros para chegar. Pergunto-me e é a cabeça quem responde.

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– Por que errei?

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– Porque tenho os pés mais feios do mundo.

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Olhando-me ao espelho percebo que estou quebrado e leio-percebo-constato as décadas de azar.

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As vitórias foram derrotas. Não sei se me impuseram à verdade ou se a mentira iludiu por mim. Tinha tanto brilho e ouro.

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Abro a mesa e liberto uma toalha de algodão, vincada pelas dobras da guarda prolongada, baixo as janelas, acalmo a luz com uma vela, jogo as setenta-e-oito cartas e pergunto-lhes e não leio o que entendo.

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Acaricio a bola dos meus estilhaços, a minha esfera só se transcende com o passado, ansioso leio as borras do chá na caneca e decifro os resíduos do café na chávena – as tais rugas e sulcos do pano naftalino, irregularidades de encantar, não desviam previsões nem calam engodos.

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Não me assusto com fantasmas, ilumino-os com preces, explico o momento e indico o caminho. Contudo.

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Não comigo. Alvoroço-me, sou fantasma de mim, não me desencosto com pau de incenso aceso, malva queimada, cânfora no bolso da camisa e velas na capela. Tanto quanto creolina e lixívia.

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Se há labirinto sem saída, é. Não tenho portas abertas e janelas fechadas nem o contrário, em negrum só paredes-cantos e ar sem luz.

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Como sempre, a cabeça responde à cabeça, porque sabe a verdade, da ilusão ao desgosto, assim acredita ou diz que.

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– Onde errei?

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– Em quase tudo.

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Por que quero conhecer o futuro quando sei o passado, se a minha curiosidade não tem apetite.

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Tenho-me em excesso e ainda me sobram erros e ilusões, doenças crónicas.

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Tão desviado que caído, por tão caído desviei-me, tão enganado que tão derrotado, tão derrotado que caído, constato a minha derrota no sucesso dos imerecedores. Lambo as lágrimas da inveja e do desrespeito que me dão sobradamente, tantas que.

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Pés tão feios só vão erradamente – diz a cabeça.

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Pés feios andam para o erro. Não há ajuda que ajude pés tão feios. 

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