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Gosto muito do Natal porque amo quem amo e fico-me nesse
sentimento que roubo emprestado. É só isso, nem mais uma bola na
árvore-de-natal ou ovelha presepiana. Os sonhos enjoam-me só de pensar, as
rabanadas agonio-as antes das ver, aceito os coscorões secos de óleo, ou até
azeite, mas o Bolo-Rei é quando-sempre quiser.
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Explico seguidamente, de frente para trás ou inversamente,
porque o destino da viagem é o mesmo e a paisagem não muda. Como maré, ora
preia ora baixa. A alta não é maré-viva e a outra está um pouco mais ou menos no
mesmo tamanho.
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Apesar de tudo sou teimoso, se me dizem uma coisa ou não a
falam. Penso que não é indecisão nem incerteza, possivelmente é incapacidade
para perceber. Quererei saber? Nesse pensamento procrastino, não preguiço. Desimporto-me,
mas vendo tantos interessados aprecio sem paladar. A vontade é feliz e minha.
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Sou feliz por ver gente feliz, as pessoas que amo. Não minto
nem me confundo, já sabendo que baralho a quem digo, abraço e beijo.
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Um dia obrigaram-me a não gostar do Natal. Insisti que não,
expliquei por que não. É muito difícil de encontrar uma palavra que signifique
não, tão perfeita na sua função. Por mais que contasse do desapego, fui
incompreendido e forçado a aceitar sem ver. Há gente burra! Asna teimosa
impondo a sua luz de escuridão. Lá publicaram uma estória em que eu era uma
pessoa inexistente ou escrita erradamente.
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Indo antes dessa conversa com o tolo, houve um curto tempo
em que o Natal se ligou ao coração-pulmão e viveu feliz ou assim-mais-ou-menos-mal-iludido.
Por causa duma miúda, gastei uma coluna de opinião declarando-lhe amor naífe e
glosando fofuras.
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Antes dela, o vazio indiferente, o mesmo de sempre. O Natal
é quando um homem quiser, sendo que ou não sou homem ou não quero.
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Caminhando com os calcanhares para a frente, durante uns
anos celebrei o Natal igualmente porque fazia feliz alguém. Sempre a mesma
verdade, mas sem fingimento. Não minto, ainda menos a quem amo, interesso-me,
partilho, beijo e vou deitar-me feliz.
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Chego ao tempo presente – voltarei ao antigo – que começou
há onze anos. Quando se tem uma criança, o Natal é diferente, tudo é bonito no
sorriso e no abraço. O menino cresceu e a festa não se foi embora. Anualmente
alegro-me com a alegria de quem gosto e junto, com árvore-de-natal, minúsculo
presépio e presentes.
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Por muitos anos houve a tradição do jantar de vinte-e-seis
em casa dum amigo dos maiores e pessoas acarinhadamente importantes. Uma
generosidade quente, com grandes conversas e brindes. Hoje não há, mas a
memória é sóbria, encantada e feliz. Como não sou nostálgico, não os suspiro,
mas todos os dias desse dia são esse dia, que foram muitos, e não há
vinte-e-seis que não seja esse dia, hoje e certo de todos os anos de amanhã.
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Em casa dos meus pais deixou de haver Natal. Cresci e por
razões doutros não conto nem é importante. Digo dalguns dias muito felizes: num,
não me lembro, contava-me a mãe, soltei uma expressão de surpresa e satisfação
vendo tantos presentes; outro foi quando ganhei um batiscafo com dois
mergulhadores e fui enfiar-me na cama da minha avó; mais tarde eram as
colectâneas dos sucessos musicais, desde os pirosos abomináveis aos fabulosos.
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Infelizmente, o abrir das prendas tinha sempre alguns ácidos.
Quando a expectativa, iluminada e elevada pelo papel de embrulho, era
espatifada por serem cuecas ou meias. Nunca percebi por que algumas pessoas
oferecem roupa às crianças, isso é para os seus pais. Guardo rancores contra
incertos.
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Em casa dos meus pais deixou de haver Natal e passou a só haver
rabanadas, porque era o que o meu pai gostava e, por isso, a minha mãe fazia. Em
dado ano, por insistência minha, surgiram os coscorões, que agradavam a todos.
O bolo-rei não faltava, mas não se fazia em casa e não conta nestas emoções.
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O dia de escrever a carta ao Pai-Natal era sempre importante
e eu era contente, pela esperança de muitos brinquedos e pela tradição. Mesmo
depois de terem assassinado o bonacheirão, escrevi-lhe durante anos, sabendo
que a missiva não chegaria ao Ártico e que era a minha mãe quem a lia.
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Há quem pergunte: o que pediste ao Menino Jesus? Era claro
que Menino estava deitado nas palhas do presépio e que, mais tarde, foi pregado
numa cruz. Não entendia e não entendo por que se lhe pedem presentes.
Contrariamente, o Pai-Natal tem como profissão entregar prendas – clarinho como
a neve da Lapónia.
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Na primeira classe fui vítima de violência por colegas –
hoje diz-se bullying. Primeiro foram as nódoas negras – as agressões nunca
pararam até ao final do ano lectivo – e depois o homicídio.
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Fiquei muito triste quando mataram o Pai-Natal. Foi na
escola e aconteceu nas vésperas ou dias seguintes à festa. Eu disse qualquer
coisa acerca do senhor e outros miúdos disseram que não existia.
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A grande maioria dos pais dos meus colegas era de esquerda,
sobretudo do Partido Comunista. Portanto, a morte do Pai Natal foi um
atentado e todos os natais foram uma revolução bolchevique.
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Além das cuecas e das meias, houve um presente que me
desgostou bastante. Foi oferecido com amor e carinho, por bem de mim, mas que
me chateou. Um disco que nunca gostei e ouvi-o muitas vezes, tentando
apreciá-lo:
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«Os operários do Natal», um álbum em que Carlos Mendes,
Fernando Tordo e Paulo de Carvalho, cantavam versos de Ary dos Santos e Joaquim
Pessoa, enaltecendo os trabalhos árduos daqueles que construíam a festa. Qual é
a magia do lenhador, da costureira ou do pasteleiro?
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Os amigos são o nosso
bolo de Natal /cada amigo nosso vale mais do que um Pai Natal / é um irmão
nosso que trabalha no Natal / e com suas mãos faz a diferença do Natal.
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Eu gostava do Pai-Natal e, nesses tempos, não tinha nascido
o Bob, o construtor. Os amigos são os amigos e a família é a família. O
Pai-Natal, mesmo depois de assassinado, tinha magia e encanto, com gargalhada
rompendo as barbas. Não o via melhor do que os amigos e família, era doutra
dimensão. Eu era inocente, mas percebia as diferenças.
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Possivelmente foi quando comecei a detestar o neorrealismo.