digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, dezembro 28, 2023

Bomba de muitos caninos


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Sem raiva, sou mais de lágrimas do que de dentadura de muitos caninos.

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Tenho uma infantil esperança, que é longa. Não vejo a escuridão na luz e da cegueira no breu só ouvi.

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A minha dieta é ácida e como de olhos fechados. Se não vejo o azedo é por crer não engolir iguaria estragada. E se é requintadamente avariada.

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Não vejo as travessuras malévolas das traições nem oiço silêncios podres. A mentira é irmã da intriga, não escuto nem enxergo. Desconheço.

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Gostava de ter uma bomba, saber manusear a bomba, querer accionar a bomba, usar a bomba e ouver a bomba rebentar com tudo que me rebenta. E que me vejam vê-los vendo-me mandar a imundice para a indiferença e desremelando-me para jamais.

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O coração-menino não tem ira na zanga, por ingénua fé sente apenas mansidão. Fico frágil e finjo estar bem. Contemplo o sangramento e digo, por coração-menino, não ser nada.

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Menino teimoso, surdo e tolo, continuo a acreditar, porque a esperança é longa, mesmo morrendo vagarosamente todos os dias. Creio por só saber crer.

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Choro, faço-o competentemente e sem mentir. Alguma coisa haveria de saber fabricar.

segunda-feira, dezembro 25, 2023

Desabafo acerca do (meu) Natal

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Gosto muito do Natal porque amo quem amo e fico-me nesse sentimento que roubo emprestado. É só isso, nem mais uma bola na árvore-de-natal ou ovelha presepiana. Os sonhos enjoam-me só de pensar, as rabanadas agonio-as antes das ver, aceito os coscorões secos de óleo, ou até azeite, mas o Bolo-Rei é quando-sempre quiser.

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Explico seguidamente, de frente para trás ou inversamente, porque o destino da viagem é o mesmo e a paisagem não muda. Como maré, ora preia ora baixa. A alta não é maré-viva e a outra está um pouco mais ou menos no mesmo tamanho.

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Apesar de tudo sou teimoso, se me dizem uma coisa ou não a falam. Penso que não é indecisão nem incerteza, possivelmente é incapacidade para perceber. Quererei saber? Nesse pensamento procrastino, não preguiço. Desimporto-me, mas vendo tantos interessados aprecio sem paladar. A vontade é feliz e minha.

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Sou feliz por ver gente feliz, as pessoas que amo. Não minto nem me confundo, já sabendo que baralho a quem digo, abraço e beijo.

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Um dia obrigaram-me a não gostar do Natal. Insisti que não, expliquei por que não. É muito difícil de encontrar uma palavra que signifique não, tão perfeita na sua função. Por mais que contasse do desapego, fui incompreendido e forçado a aceitar sem ver. Há gente burra! Asna teimosa impondo a sua luz de escuridão. Lá publicaram uma estória em que eu era uma pessoa inexistente ou escrita erradamente.

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Indo antes dessa conversa com o tolo, houve um curto tempo em que o Natal se ligou ao coração-pulmão e viveu feliz ou assim-mais-ou-menos-mal-iludido. Por causa duma miúda, gastei uma coluna de opinião declarando-lhe amor naífe e glosando fofuras.

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Antes dela, o vazio indiferente, o mesmo de sempre. O Natal é quando um homem quiser, sendo que ou não sou homem ou não quero.

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Caminhando com os calcanhares para a frente, durante uns anos celebrei o Natal igualmente porque fazia feliz alguém. Sempre a mesma verdade, mas sem fingimento. Não minto, ainda menos a quem amo, interesso-me, partilho, beijo e vou deitar-me feliz.

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Chego ao tempo presente – voltarei ao antigo – que começou há onze anos. Quando se tem uma criança, o Natal é diferente, tudo é bonito no sorriso e no abraço. O menino cresceu e a festa não se foi embora. Anualmente alegro-me com a alegria de quem gosto e junto, com árvore-de-natal, minúsculo presépio e presentes.

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Por muitos anos houve a tradição do jantar de vinte-e-seis em casa dum amigo dos maiores e pessoas acarinhadamente importantes. Uma generosidade quente, com grandes conversas e brindes. Hoje não há, mas a memória é sóbria, encantada e feliz. Como não sou nostálgico, não os suspiro, mas todos os dias desse dia são esse dia, que foram muitos, e não há vinte-e-seis que não seja esse dia, hoje e certo de todos os anos de amanhã.

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Em casa dos meus pais deixou de haver Natal. Cresci e por razões doutros não conto nem é importante. Digo dalguns dias muito felizes: num, não me lembro, contava-me a mãe, soltei uma expressão de surpresa e satisfação vendo tantos presentes; outro foi quando ganhei um batiscafo com dois mergulhadores e fui enfiar-me na cama da minha avó; mais tarde eram as colectâneas dos sucessos musicais, desde os pirosos abomináveis aos fabulosos.

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Infelizmente, o abrir das prendas tinha sempre alguns ácidos. Quando a expectativa, iluminada e elevada pelo papel de embrulho, era espatifada por serem cuecas ou meias. Nunca percebi por que algumas pessoas oferecem roupa às crianças, isso é para os seus pais. Guardo rancores contra incertos.

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Em casa dos meus pais deixou de haver Natal e passou a só haver rabanadas, porque era o que o meu pai gostava e, por isso, a minha mãe fazia. Em dado ano, por insistência minha, surgiram os coscorões, que agradavam a todos. O bolo-rei não faltava, mas não se fazia em casa e não conta nestas emoções.

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O dia de escrever a carta ao Pai-Natal era sempre importante e eu era contente, pela esperança de muitos brinquedos e pela tradição. Mesmo depois de terem assassinado o bonacheirão, escrevi-lhe durante anos, sabendo que a missiva não chegaria ao Ártico e que era a minha mãe quem a lia.

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Há quem pergunte: o que pediste ao Menino Jesus? Era claro que Menino estava deitado nas palhas do presépio e que, mais tarde, foi pregado numa cruz. Não entendia e não entendo por que se lhe pedem presentes. Contrariamente, o Pai-Natal tem como profissão entregar prendas – clarinho como a neve da Lapónia.

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Na primeira classe fui vítima de violência por colegas – hoje diz-se bullying. Primeiro foram as nódoas negras – as agressões nunca pararam até ao final do ano lectivo – e depois o homicídio.

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Fiquei muito triste quando mataram o Pai-Natal. Foi na escola e aconteceu nas vésperas ou dias seguintes à festa. Eu disse qualquer coisa acerca do senhor e outros miúdos disseram que não existia.

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A grande maioria dos pais dos meus colegas era de esquerda, sobretudo do Partido Comunista. Portanto, a morte do Pai Natal foi um atentado e todos os natais foram uma revolução bolchevique.

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Além das cuecas e das meias, houve um presente que me desgostou bastante. Foi oferecido com amor e carinho, por bem de mim, mas que me chateou. Um disco que nunca gostei e ouvi-o muitas vezes, tentando apreciá-lo:

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«Os operários do Natal», um álbum em que Carlos Mendes, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho, cantavam versos de Ary dos Santos e Joaquim Pessoa, enaltecendo os trabalhos árduos daqueles que construíam a festa. Qual é a magia do lenhador, da costureira ou do pasteleiro?

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Os amigos são o nosso bolo de Natal /cada amigo nosso vale mais do que um Pai Natal / é um irmão nosso que trabalha no Natal / e com suas mãos faz a diferença do Natal.

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Eu gostava do Pai-Natal e, nesses tempos, não tinha nascido o Bob, o construtor. Os amigos são os amigos e a família é a família. O Pai-Natal, mesmo depois de assassinado, tinha magia e encanto, com gargalhada rompendo as barbas. Não o via melhor do que os amigos e família, era doutra dimensão. Eu era inocente, mas percebia as diferenças.

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Possivelmente foi quando comecei a detestar o neorrealismo.