A verdade, não o conheci. Soube como alguém que vê os reflexos deixados por quem o viveu e saboreou a amizade. Se boca genuína e desobrigada mo disse foi por sinceridade.
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A verdade, só me lembro de estar por três vezes – foram mais – e em todas elas percebi a exactidão do diagnóstico do meu pai e seu grande amigo. Dito cristalino e puro:
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– O José Ruy é muito bom rapazinho.
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A diferença de seis anos permitia, ao meu pai, chamar-lhe rapazinho. Ou talvez fosse também pelo olhar e o sorriso. «O meu melhor amigo», afirmava sempre antes da sentença acerca da bondade.
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A primeira vez que vi o José Ruy foi numa gráfica – penso que em Alcântara – em 1982. Ofereceu-me o seu livro mais recente, «Fernão Mendes Pinto e a sua peregrinação». Por acrescento de felicidade, calhou-me um horário escolar, para o ano lectivo de 1983/84, evocativo das façanhas desse explorador português, desenhado por ele e editado pela Câmara Municipal de Almada – o aventureiro morreu no Pragal, em 1583.
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Volta e meia, nas conversas familiares, vinha a propósito o José Ruy e as virtudes que o abraçavam ao meu pai. Invariavelmente vinha o mesmo acórdão:
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– O José Ruy é muito bom rapazinho.
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Quando o meu pai morreu, em Fevereiro de 2015, liguei-lhe a informar. Nas poucas palavras, por nós faladas, senti-lhe a natural tristeza. No dia da despedida do corpo, o José Ruy foi ter comigo à capela mortuária.
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Não esperava. Num momento levei os olhos a um lugar na sala, onde floria o olhar doce de José Ruy e o seu sorriso de quem está triste e com vontade de confortar.
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Depois desse nosso segundo momento, fui-lhe ligando de meses a meses e conversando por email. A propósito de amizade e arte fomos – eu, a minha mulher e o miúdo – visitá-lo e à Fernanda, sua mulher. O meu filho recebeu, como não podia deixar de ser, livros autografados.
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Acho muito bonita a celebração, em vida, que a Câmara Municipal da Amadora lhe fez. Enterneci-me por José Ruy ter amigos que lhe copiaram a caligrafia e criaram a sua fonte pessoal para computador. Muito mais do que facilitação do trabalho e dum elogio, é expressão de amizade e gratidão.
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A banda-desenhada esteve sempre nas nossas conversas. Enviei-lhe – precisamente há um ano – uma imagem que atribui a Enki Bilal, uma homenagem a Hergé. Nestes últimos dias andava para lhe telefonar para conversar, além de saber da saúde e da vida, sobre essa vinheta que ele desconhecia e que afinal não era de quem eu julgara e o induzira em erro, pois é obra de Pascal Somon.
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Ontem recebi a notícia que José Ruy partiu para a Pátria Espiritual. Em mim fica a memória dum homem bom, doce, delicado e amigo. Agora, por ele, tenho-me lembrado muito do meu pai e sinto-me, como num dever da memória, no múnus do citar:
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– O José Ruy é muito bom rapazinho.
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Certeza, assim o sinto. Perdi o conto às vezes que, ontem e hoje, tenho pronunciado o dito.
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Saber mais:
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https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$jose-ruy
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https://www.cm-amadora.pt/6736-jose-ruy-1930-2022.html
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https://www.dn.pt/cultura/morreu-o-autor-de-banda-desenhada-jose-ruy-aos-92-anos-15383378.html