digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, setembro 03, 2019

Cinquenta, duas vezes vinte e cinco


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Errático como até aqui, aos cinquenta.
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Sei, já me disseram e sei por mim, porque, apesar de tudo, ainda vou sabendo de mim:
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Aos vinte e cinco anos não se é velho!
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Dizem e até também, os números não são objectivos nem emocionais.
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Assim direi tentando na linha certa e certo de vadio nas datas e momentos.
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Foi difícil entender os vinte e cinco anos e perceber que não faz sentido sentir-se velho aos vinte e cinco anos e quanto mais tempo passou mais percebi que aos vinte e cinco anos não se é velho.
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Senti.
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Senti-me velho quando um tipo, com o ar porreiro e asseado que tinham todos os portugueses na Expo 98, me perguntou:
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– O senhor tem lume?
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O senhor era eu! Valha-me Deus! Que salto, que queda. Ninguém me tratava por senhor, só no dever.
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Doeu um bocadinho, passou. Mas aquela dorzinha…
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Se tivesse acontecido aos vinte e cinco anos talvez me levassem ao banco do Hospital de São José.
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Estou em quase cinquenta anos – acho chegados – e compreendo o sofrimento dos vinte e cinco anos.
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Obviamente, ter vinte e cinco anos dói. Nem fará sentido outra forma, ainda a outra coisa tenha lógica e seja delírio.
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Não sei se sinto nostalgia, sabor quase-pouco saboreado. Um pouquinho.
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Aos quarenta e nove anos assumo-me em cinquenta. Na minha cabeça é claro.
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Os quilogramas todos que perdi deram-me uma vida e o retrato de vida. Estou velho. Olho-me e estou velho.
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O mal é não ter vinte e cinco anos. Aos vinte e seis anos voltei a ter vinte e seis anos, iguais aos vinte e quatro anos. Aos cinquenta sou uma colecção inquieta. Uma colecção é um museu.
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Vejo os meus cinquenta anos nas amigas tornadas mães, parecidas com as mães. Não tardará serão avós, com as feições fofinhas das avós.
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Vejo os meus cinquentas anos nos amigos tornados pais, alguns na meia-idade que é meia-idade. Os pais deles, eram antigos quando eu era jovem, independentemente da idade trazida e levada.
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Dizem as rugas e as expressões dos problemas claros nos olhos e das dores nascendo e crescendo. São autocópias.
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Escrevo mais sobre os homens, porque sou homem. Impressionam-me mais as mulheres porque sou homem. Não quero ser outra coisa que franco nisto do meu ser homem, não é machismo, é impressionismo na impossibilidade do realismo e fujo do fácil-mau-gosto de pôr surrealismo. Leiam-no, se quiserem, contudo estou em verdade. Não é crueldade se isso sentirem – faltam-me outros olhos.
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Não tenho dinheiro para um descapotável. Não compraria. Desejo um Bentley como qualquer cinquentão guloso de tudo e assim seria se estivesse nos vintes, trintas e quarentas.
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A calvície não me incomoda nem a visão faltando ao perto nem os sinais da próstata, remexe o espelho e a numeração disto junto.
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Não me enfio nas festas nostálgicas de música dos anos oitenta. Não oiço Phill Collins, Elton John, Chris de Burgh e outras vozes detestáveis – felizmente, sempre.
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Asseio de e para a saúde.
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Olhando para depois – visto daqui para lá – dos vinte e cinco anos vejo a infância e a adolescência, das suas complicações e ainda. Entre o final duma e início doutra chegaram Kim Wilde e Kim Carnes – talvez os nomes não sejam coincidência, como a cor dos cabelos.
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Vi fotografias da Kim Wilde e os seus mais dez anos do que eu estão iguais aos meus. Não está avó, estou com cinquenta anos.
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A Kim Carnes… velha! Inequivocamente velha. Tão velha como o era em mil novecentos e oitenta e um, quando tinha trinta e seis anos.
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Pouco tempo depois, eu queria um descapotável, o Saab 900. Era lindo!
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Não me imagino a jardinar rosas, sei que ganharei o Euromilhões e comprarei o Bentley.
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Ainda me dói saber que entro na meia-idade, pensando na aposentação – onde estou contrariado e sem o troco.
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Penso mais vezes no Euromilhões do que na reforma.
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Para ilustrar, seria fácil meter aqui o «Forever Young» dos Alphaville… pieguice preguiçosa –  qualquer coisa dos anos oitenta.
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O que me dói de memória não é a década de oitenta, a de noventa.
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Não quero repetir nem ser. Não quero ser a idade a que chego.
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Vivi na Estónia – a primeira casa, tão grande quanto a Estónia e velha como o Báltico.
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Vive fantasmas claramente. Havia um quarto para mudar de roupa, guardar discos e alguns livros – não tinha janelas, a luz entrava pelas bandeiras.
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Nessa câmara mágica ouvia Enya, a mais maravilhosa voz dum país de unicórnios, e enlevava-me com o «Return to inocence», dos Enigma. O Pedro Abrunhosa revolvia o país e a Geração X.
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A luz de Lisboa directamente do rio cria o que faz sempre onde é. Passando as bandeiras era – nem velinhas, incenso, especiaria, taça tibetana ou gato.
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Na sala jantei o meu arroz com compota de ameixa que todos gostavam – o que se tolera nos vintes.
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Na sala gostava de whisky e tinha um aquário – morreram tantos peixes, por quase tudo.
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Na sala fumava, coisa estúpida iniciada estupidamente como as coisas estúpidas, acontecida mais tarde do que a idade parva.
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Na sala ouvia jazz, porque gostava. Só de pensar fico arrepiado, não me envergonho.
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Todo orgulhoso, importante de crescido, escrevia num computador, ao lado duma porta para a varanda onde se pressentia o Tejo, só um traço da cor.
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O quarto era virado para a mesma luz-aragem, aí fiz amor.
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Na cama, no chão e no escritório chorei desenfreado de saudade-ciúme.
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Da varanda pensei cair no dia em que me mudei.
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Ainda uma não se despejara nem a outra se enchera e sentia a saudade-pressentimento duma vida a passar sem voltar. Tinha vinte e oito anos e foi no dia um de Agosto.
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Antes da Estónia ia para casas de amigos. Íamos muito à praia, víamos filmes, líamos livros, dizíamos piadas, jogávamos cartas e Trivial Persuit. Amavam-se genuinamente, como aos trinta.
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Ia à praia, ouvia a Energia, na ponte ou quase no mar. Não havia nada como a Energia e ríamo-nos muito de felizes como quanto temos vinte e trinta.
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Fomos à Tunísia. Que férias!… Ainda sufocando de fugir. Em Hammamet não havia gay que não me descobrisse e se tentasse. Se não engaysei é porque os homens não me atraem.
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Quando deixei a Estónia – disse da saudade-pressentimento – acreditava que comprar uma casa era melhor do que pagar uma renda. Era mais barato, mesmo com o subsídio para o arrendamento dos jovens…
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Ganhava bem e tinha direito ao valor completo. Foram felizes esses dias em que os países ricos nos entornavam dinheiro.
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A noite de trinta e um de Julho para um de Agosto de mil novecentos e noventa e oito passei-a a chorar e a maldizer a distância.
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A saudade-pressentimento epafiniada na Estónia comprovou-se no século que chegava – além dos vários piores em comboio.
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A propósito: sorrio sempre com um pantomineiro dos astros – da magia do céu que nunca existiu – que escreveu a garantia de como seria magnífica, para os capricornianos, a primeira década dos anos zero.
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Tinha tudo para ser feliz, pois não há nada de Capricórnio que não me caia em cima. Eu todo-quase sou diferente do tudo escrito… já me enfiaram ascendentes de quase tudo, proximidades chegadas a Sagitário e a Aquário, até me garantiram que a hora do nascimento estava errada. Por esses caminhos, veredas nocturnas.
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A década maravilhosa fez-se dos piores anos da minha vida!
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Quase tudo de mau – no exagero e falibilidade das palavras absolutas – apareceu naquela casa e em mim, pela casa e naquela casa por mim.
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Vendia-a há poucos meses e apareceu-me um alívio!... Foram dolorosíssimas as antepenúltima e penúltima subidas. Escadas horrorosas de luz e de luz-espírito.
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Seis anos e tal depois, não percebo aquilo nem ter permanecido catorze anos.
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Mas a luz da Estónia não veio e não virá – abuso dos absolutamentes. Aqui tenho outra vida e outras vidas.
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Na Estónia, a vizinha do lado chamava-se Cristina. Redonda, parecia ter sempre azeite sob o lábio até queixo. Às vezes o marido embebedava-se e, se ela não estava, esperava-a na escada com o garrafão, incapaz de usar a chave. Uma vez repetiu-se na minha campainha perguntando-me pela Tininha.
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Dessa vez, decidiu-se a procurá-la. Despejou-se nas escadas como o amigo de cinco litros. Quando chegou, a Tininha deu-lhe um responso.
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Nas semanas que me competia, a Tininha punha na rua o caixote do lixo do prédio, porque sou homem – disse-o.
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A Tininha deixava os recados para o marido, com mais desastres ortográficos do que acertos, no lado de fora da porta de casa:
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– Telefonei a diser que estás mal esposto.
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Talvez até fosse pior. Adoro o «mal esposto».
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A última vez que vi a Tininha foi na televisão. Empunhava um cartaz e bradava pela inocência de Carlos Cruz.
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Na Casa dos Horrores, a vizinha do lado falava e ralhava com os cães, porque me infernizavam as manhãs de domingo. Chamei a polícia duas vezes.
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Ficámos amigos, como se deseja para a vizinhança. Quando mudei as janelas, para novas de vidro-duplo, dei-lhe as minhas, porque, apesar de feias, fechavam a rua e água da chuva.
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Nas semanas que me competiam, a Dona Teresa punha na rua o caixote do lixo do prédio, porque sou homem – disse-o, como a Tininha.
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A Dona Teresa parecia-me ser boa pessoa e passeou um pato. O marido encontrara um patinho na estrada e levou-o para casa. O bicho cresceu e, se passeava os cães, levava o pato à rua com um baraço ao pescoço.
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Os trintas foram tristíssimos e os quarenta começaram amargos. A Casa dos Horrores ditava-me e obedecia-lhe.
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O pouco de bom que guardo do tempo da vivência na Casa dos Horrores é o tratamento dos comerciantes do bairro. Especialmente por a Dona São, da mercearia, me chamar «menino João».
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As coisas endireitaram-se quando comecei a ver o cemitério, numa das ruas mais frias de Lisboa – até no Verão, em algumas horas, é comum passearem-se pinguins.
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Na Casa dos Horrores ouvia Marisa Monte e Adriana Calcanhotto. Ao instaurar-se a ditadura da saudade- incompreensão, toda a música daí para trás ficou proibida – ela surgia de todo o lado, como um boneco de mola se evade da caixa.
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«Você», Mãozinha, com a mensagem clara da minha vida e sem pretérito. Gorillaz fez-me respiração boca-a-boca e Da Weasel foi. Enapá 2000 e Irmãos Catita, sou-lhes muito agradecido.
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Duas gatas, três gatas salvaram-me a vida muitas vezes. Não evitando idas ao Hospital de São José.
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Uma desses dias de negrum marcou-me mais, porque me assassinou um amigo – juro a deslembrança se foi na véspera ou no seguinte.
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Como antes, espatifei amores – pelo mesmo de antes e pela doença. Vampirizei, magoei e outras. Entupi-me de tristezas, de todas a pior é-me a melancolia.
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Na Casa dos Horrores entrou e expulsei a Flor da Luz. Nela reentrou, trazendo as claridades – a sua e a do Menino. Que os saiba aninhar e eles.
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Nos dias magníficos do Capricórnio e mais uns, quase todos os amigos foram amigos – algumas desilusões, mas Sol de quem não esperava nada nem esperava esperar. Por desapego e bondade minhas, não perdi amigos. Acrescentei os outros.
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Há sempre pequenos-médios-grandes-todos-tristes-desastres – aqui, em toda a parte. A memória da Estónia assemelha-se à das birras que os filhos nunca fizeram, nem na idade delas – garantem as mães vinte anos à frente.
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A Estónia é quase perfeita e a Casa dos Horrores é um jazigo com jardim de pétalas secas.
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A Estónia foi a única casa inteiramente feliz – chorei muito naqueles Junho e Julho de mil novecentos e noventa e oito. Depois passei a chorar muitíssimo maisíssimo na Casa dos Horrores.
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Sinceramente, achei-certeza de que a crise da meia-idade seria como a lâmina de fazer a barba a aliviar-me a pele. Refiro, porque descobri o desejo de aliviar carbono na vivência duma angústia: vou cortar o cabelo, barbeio-me ou corto as unhas.
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Sinto-me dúvidas. As amigas parecem-se com as mães e têm vida desenhada no rosto. O espelho diz-me a idade. Das transfusões de vinho dos vintes-trintas-pequeno-quarentas, quase me envergonho do pouco de hoje.
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Os amigos estão piores. Não se parecem com os pais. Parecem-se com eles mesmos em gordos, em escanzelados e carecas. São caricaturas suas como o sou. Há pouco mais dum ano estava disforme, gordíssimo e inchado. Estou magro como nunca. Sou igual, um boneco de mim mesmo.
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As miúdas passam na rua. A Flor da Luz está bonita como nunca esteve e não sinto uma falta. Tenho olhos-cabeça para não me vestir como adolescente nem desejo um descapotável, nem o Saab 900. O Bentley são letras doutra coisa.
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Neste tempo, doem-me os vinte e cinco. Tanto quantos os cinquenta dos meus amigos que chegaram antes e vão acompanhar.
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Há quem seja absoluto em não se arrepender de nada – arrogância, timidez ou distração? Garantem que fariam o mesmo, porque teriam a mesma idade e os momentos. Afirmam ser todos dias passados, as somas.
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Mais do que o Bentley desejo regressar, não para ser novo. Retornar para evitar as lágrimas que fiz e as que me fizeram.
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Perceber isto é, possivelmente, ter cinquenta anos, mas digo-o há muitos anos. Reconhecendo todas as asneiras continuei acrescentando. Efabulo inverter o tempo para me emendar.
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Tirando o homoerotismo, vejo-me o retrato de Dorian Gray. Nem tão chegado a tanto pecado mas da fealdade dos cinquenta anos – a calvície é tranquila.
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Olho para o espelho e não vejo o que espero. Sou eu, mas qual eu? Como veja a fotografia sépia do tio-avô e reconheça os genes.
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Desde uma complicação, tenho dificuldade em fixar caras. Cumprimento quem não conheço e ignoro conhecidos. Posso fixar rostos banais e esquecer-me dos exóticos. No outro dia, na farmácia, disseram-me que isso é prosopagnosia.
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Fui ler e sou abençoado! Há os que não memorizam os familiares. Até mesmo o seu rosto reflectido.
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Não é por prosopagnosia – é mais fácil dizer «mau fisionomista» – a dificuldade em compreender a pessoa que o vidro me envia. É quase como chegava ébrio a casa e me fotografava ao espelho. Nesses autorretratos sou outra pessoa, não só pela falta da nitidez que o álcool roubava.
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Desconheço se não me revejo no espelho por nele ver os cinquenta anos – artifícios do cérebro.
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Fácil não está a ser. Possivelmente, aos cinquenta e um serei os vinte e seis.