digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, setembro 06, 2016

Rodogare

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Na rodogare somos mais anónimos e por isso quase livres. As camionetas pausam em todos os lugares. Nas ferrogares chegam e partem os comboios que param espaçados nos sítios. Nas aerogares e nas navogares sabem-se os nomes e os destinos.
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Na rodogare posso amar quem quiser e apaixonar-me de dez em dez minutos e ser retribuído mas inconsequente sem dolorosos assombros de dor moral.
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Na rodogare posso andar dez centímetros acima dos dias e poupar nos bolos expostos numa montra onde tudo é amarelado da luz.
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Na rodogare o café é mau, mas isso nos apeadeiros ferroviários – preço da pressa e da ansiedade e da tristeza e das saudades, porque ninguém viaja de camioneta porque quer.
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Na rodogare o chão é mais sujo e as pessoas.
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Na rodogare fuma-se descaradamente e nem num automóvel.
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Na rodogare a luz é escura e cheira a diesel.
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Na rodogare as casas de banho servem viciados e corruptores e doentes de qualquer sexualidade.
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Na rodogare há os gordos mais gordos e os feios mais feios e os mais malcriados e os mais simplórios e os mais mal vestidos e uma multidão de gente carregando gerações de consanguinidade, alcoolismo e analfabetismo.
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Os cães não podem entrar na rodogare.
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Essa é a liberdade que falta.

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