digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

segunda-feira, junho 13, 2016

Carta

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Estou a morrer. Não o digo apenas porque um dia nasci, cada momento que passa é um a menos para o do passamento. Não digo para alarmar e muito menos para enganar. Estou a morrer, estou mesmo a morrer.
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A morte é banal. Não há nada mais natural do que esse dia. Podemos usar máquinas para substituírem o coração, os pulmões, o fígado, os rins e o cérebro, haverá sempre o momento em que o corpo se esgota.
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Mesmo inteligindo a morte ou só a percebendo, a dor da partida é uma possibilidade. Seja-se crente, agnóstico, ateu, descomprometido, distraído ou preguiçoso, a partida guarda sempre, pelo menos, uma dúvida. Se pensar já aleija frequentemente, saber da existência, da passagem ou das duas combinadas de forma diversa, chega a ser pungente.
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Há gente a quem a morte não assusta. Seja por leviandade, por certeza em algo maior, por certeza apenas que isto é só mesmo isto, algumas pessoas não tremem se pensarem que um dia irão para. Há, nestas situações, as que têm esperança, serão as felizes.
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Mas há as que não têm esperança. Há aquelas para quem a esperança é a esperança de não haver mais nada depois do corpo parar.
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Acredita-se em Deus de muitas maneiras e por variadas razões e as relações constroem-se individualmente – essas pessoas têm as suas conversas com ele, se as tiverem. Desacredita-se porque não se acredita ou porque a literatura é inconvincente ou o clero não se comporta convenientemente.
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Não sei bem em que sou igual ou diferente. Não sinto Deus, mas acredito porque me faz lógica. Como tantos que lhe impõem negócios ou ultimatos também apresento exigências. Serei surdo? Será surdo, não está para me aturar, não sabe que existo. Não tenho resposta sua, nem crítica, aplauso ou consolo.
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Em contrapartida, oiço-me e sinto-me, aturo-me vinte e quatro horas por dia. Nem mesmo dormindo tenho pousio. Se optar pela esquerda irei criticar-me se falhar, assim como se escolher a outra mão. Se acertar? Não poupo reprimendas ao lado que me poderia conduzir ao falhanço.
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O problema não é o debate, mas a dor. O desgaste vem de mim porque há dor, razão primeira do desacerto de quereres e responsabilizações íntimas. Respirar magoa quando a vontade é não existir.
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Repito que estou a morrer. O ar chega pesado. A luz e a escuridão são medonhas. O tempo é pastoso. Tudo é tédio e escravatura. A vida é incompreensão, insatisfação e castigo.
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Uma dor maior do que eu. É antes e depois de mim.
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É a dor de morrer existindo. É dela que vou morrendo.
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Por que não cessa? Por que não a travo? Tivesse a certeza que depois do corpo finar também eu me finarei, fazia já. Matava a morte para que não me matasse nesta lentidão amarga.
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Pedir a Deus? Peço. Peço-lhe para desexistir. Alguma coisa que não seja morrer.

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