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Estou a morrer. Não o digo apenas porque um dia nasci, cada
momento que passa é um a menos para o do passamento. Não digo para alarmar e
muito menos para enganar. Estou a morrer, estou mesmo a morrer.
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A morte é banal. Não há nada mais natural do que esse dia. Podemos
usar máquinas para substituírem o coração, os pulmões, o fígado, os rins e o
cérebro, haverá sempre o momento em que o corpo se esgota.
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Mesmo inteligindo a morte ou só a percebendo, a dor da
partida é uma possibilidade. Seja-se crente, agnóstico, ateu, descomprometido,
distraído ou preguiçoso, a partida guarda sempre, pelo menos, uma dúvida. Se
pensar já aleija frequentemente, saber da existência, da passagem ou das duas
combinadas de forma diversa, chega a ser pungente.
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Há gente a quem a morte não assusta. Seja por leviandade,
por certeza em algo maior, por certeza apenas que isto é só mesmo isto, algumas
pessoas não tremem se pensarem que um dia irão para. Há, nestas situações, as
que têm esperança, serão as felizes.
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Mas há as que não têm esperança. Há aquelas para quem a
esperança é a esperança de não haver mais nada depois do corpo parar.
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Acredita-se em Deus de muitas maneiras e por variadas razões
e as relações constroem-se individualmente – essas pessoas têm as suas
conversas com ele, se as tiverem. Desacredita-se porque não se acredita ou porque
a literatura é inconvincente ou o clero não se comporta convenientemente.
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Não sei bem em que sou igual ou diferente. Não sinto Deus,
mas acredito porque me faz lógica. Como tantos que lhe impõem negócios ou ultimatos
também apresento exigências. Serei surdo? Será surdo, não está para me aturar,
não sabe que existo. Não tenho resposta sua, nem crítica, aplauso ou consolo.
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Em contrapartida, oiço-me e sinto-me, aturo-me vinte e
quatro horas por dia. Nem mesmo dormindo tenho pousio. Se optar pela esquerda
irei criticar-me se falhar, assim como se escolher a outra mão. Se acertar? Não
poupo reprimendas ao lado que me poderia conduzir ao falhanço.
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O problema não é o debate, mas a dor. O desgaste vem de mim
porque há dor, razão primeira do desacerto de quereres e responsabilizações
íntimas. Respirar magoa quando a vontade é não existir.
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Repito que estou a morrer. O ar chega pesado. A luz e a
escuridão são medonhas. O tempo é pastoso. Tudo é tédio e escravatura. A vida é
incompreensão, insatisfação e castigo.
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Uma dor maior do que eu. É antes e depois de mim.
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É a dor de morrer existindo. É dela que vou morrendo.
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Por que não cessa? Por que não a travo? Tivesse a certeza
que depois do corpo finar também eu me finarei, fazia já. Matava a morte para que
não me matasse nesta lentidão amarga.
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Pedir a Deus? Peço. Peço-lhe para desexistir. Alguma coisa
que não seja morrer.
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